‘Teremos novidades sobre o Regime Militar’
- O Diário do Norte do Paraná
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A Universidade Estadual de Maringá (UEM) em conjunto com a Brown University, dos Estados Unidos, está participando de uma iniciativa que pretende trazer novidades sobre os 21 anos em que o Brasil esteve sob domínio do regime ditatorial militar.
Trata-se do projeto “Opening the archives: access to information, memory, and justice thirty years after the endof the brazilian military dictatorship” (Abrindo os arquivos: acesso à informação, memória e justiça 30 anos após o fim da ditadura militar brasileira).
Fotos/João Cláudio Fragoso
Os trabalhos contam com a coordenação do professor James Green, da Brown University e do professor Sidnei Munhoz, da UEM, e têm a participação de onze estudantes, sendo dois deles da UEM.
Até agosto, a equipe estará instalada no National Archives & Record Administration (Nara), College Park II, Maryland, nas proximidades de Washington, onde a maior parte dos documentos oficiais do Estado está guardada nos Estados Unidos.
Em conversa com O Diário, o professor Munhoz destacou a importância social deste projeto, que deve disponibilizar uma vasta documentação na internet para que o mundo todo tenha acesso às informações de como os Estados Unidos se relacionaram com os militares golpistas e com o regime ditatorial imposto ao país.
O professor também relatou os desafios para ter acesso a documentos que ainda continuam secretos. Leia seguir os principais trechos da entrevista:
O DIÁRIO - Explique, por favor, qual é o objetivo do projeto “Abrindo os arquivos: acesso à informação, memória e justiça 30 anos após o fim da ditadura militar brasileira”.
Sidinei Munhoz - Queremos reunir o máximo de
informações possíveis sobre a relação entre Brasil e Estados Unidos no
período da ditadura militar brasileira, que aconteceu entre 1964 e
1985. Para isso estamos com uma equipe de acadêmicos no National
Archives.
Quem compõe a equipe de pesquisadores?
Além de James Green e eu como coordenadores, há nove estudantes de
História da Brown University e outros dois estudantes, Antonio Batista
Bianchet Júnior e Priscila Borba da Costa, que fazem parte do Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Como é a rotina de trabalho dos estudantes de Maringá?
Eles trabalham das 9h às 17h e escaneam, diariamente, os documentos
referentes à época pesquisada. Além disso, estão a definir as
palavras-chave dos documentos e a promover a indexação, de modo que,
quando disponibilizados na internet, os pesquisadores poderão encontrar
os documentos por meio de um sistema de buscas.
Que tipo de documentos estão sendo resgatados?
São telegramas e correspondências trocadas entre os diplomatas dos Estados Unidos e o Departamento de Estado e setores do governo brasileiro. É importante ressaltar que cabe ao Departamento de Estado elaborar a política externa.
É ele que passa as diretivas para o embaixador, que transmite as
orientações para a equipe da embaixada e consulados e, ao mesmo tempo,
colhe informações aqui no Brasil através de sua rede de funcionários
oficiais e de informantes e espiões. Existe, ainda, um acervo composto
por documentos de diferentes origens e distintos órgãos governamentais e
de instituições civis dos Estados Unidos.
Qual a contribuição efetiva deste material para o Brasil e para os historiadores?
A primeira contribuição é auxiliar na pesquisa e na busca do conhecimento histórico em um período tão marcante como foi a ditadura militar. Em segundo lugar, é preciso destacar a importância social de nosso projeto.
Isso porque, até o fim do ano, queremos disponibilizar tudo o que
foi reunido digitalizado na internet. Qualquer pessoa no Brasil ou fora
dele terá acesso ao material. Em cerca de duas semanas vamos colocar
um blog bilíngue no ar com muitas informações sobre o trabalho que está
sendo feito.
Como o projeto teve início?
Foi uma iniciativa de James Green, da Brown University, dos Estados Unidos. James é especialista em história e cultura brasileira. Nos conhecemos em Atlanta quando fui apresentar um trabalho, em 2002. Nos tornamos colegas e o convidei para participar de um livro o qual organizei juntamente com o professor Francisco Carlos Teixeira da Silva. De lá para cá nos aproximamos.
Como tanto eu quanto James temos parcerias com o Arquivo Nacional, que é onde estão os documentos oficiais do Brasil, James sugeriu que iniciássemos a busca de documentos relacionados à repressão no regime ditatorial brasileiro lá nos Estados Unidos.
James já havia escrito sobre o assunto e pensou que seria possível
estabelecer uma parceria com o National Archives. A partir da sua
iniciativa e da ajuda do Arquivo Nacional (Brasil), foi viabilizada a
colaboração do National Archives. Assim, começamos os trabalhos.
O que já foi descoberto até agora?
O projeto está apenas no início. Ele começou no dia 2 de junho e seguirá até dia 10 de agosto, quando o calendário escolar nos Estados Unidos estará prestes a começar. Ainda não temos a dimensão daquilo que encontraremos.
Não posso afirmar que vamos nos deparar com coisas bombásticas até
porque aspectos mais complicados do período devem continuar secretos,
ainda. Mas, vamos levantar muitas informações para os que estão a
estudar o tema.
Então, existem documentos que não são liberados?
Exatamente. Ao abrirmos um arquivo existem vários documentos e, entre
eles, há alguns com a indicação “Classified Documents”, ou “Documentos
Classificados”, em português. Esses documentos são aqueles que têm
informações nas quais o governo dos Estados Unidos acreditou que não
deveriam ser do conhecimento do público.
Mas é impossível ter acesso a esta documentação secreta?
Não é impossível, no entanto, é preciso ter paciência. Entraremos com
solicitações para a liberação deste material confidencial. Existe uma
comissão que analisa se poderá ou não ser liberado. Entretanto, é um
processo demorado. Pode ser que tenhamos que esperar até três anos ou
mais por uma resposta, mas é preciso pensar no futuro e fazer a
solicitação assim que pudermos.
Como é a liberdade de acesso à informação no Brasil e nos Estados Unidos?
Ambos os países são democracias e apresentam legislações bastante
claras sobre a disponibilização de documentos. Nas duas nações os
cidadãos têm direito ao acesso à informação. No entanto, Estados podem
proteger informações que eles consideram que afetam os interesses da
nação. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe muita coisa protegida do
aceso público.
Até o dia 10 agosto será possível digitalizar todos os documentos do período pretendido?
Certamente não. Nossa meta é progredir até os anos de 1967, ou 1968. É
até difícil estabelecer esta projeção, pois não sabemos ao certo o que
encontraremos e o volume de material que possuímos. Há centenas de
caixas com documentos. Se enfileirarmos todos os documentos produzidos
pelo Departamento do Estado teremos 709 quilômetros de material, mas aí
refiro-me aos documentos sobre todo o mundo.
Podemos concluir que o trabalho não se encerra este ano?
Sim. A intenção é, em 2014, voltar aos Estados Unidos com outra equipe e trabalhar nos demais anos do período pretendido.
A equipe que está trabalhando no projeto está dentro do National Archives. Como foi a recepção aos brasileiros?
Estamos sendo tratados maravilhosamente bem. Para você ter uma ideia,
nos foi dada uma sala dento do National Archives com mesas e uma boa
infraestrutura. Essa foi a primeira vez que um grupo de pesquisadores
recebeu uma sala exclusiva dentro da entidade. Realmente não temos com o
que nos queixar.
Qual a participação da UEM para a viabilização do projeto?
Tivemos total apoio da reitoria e da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação, além da contribuição da Procuradoria Jurídica e do Escritório de Cooperação Internacional da universidade. Sem esta ajuda o trabalho não aconteceria.
http://www.odiario.com/cidades/noticia/753629/teremos-novidades-sobre-o-regime-militar/