Intrinsicamente ligada ao conceito de democracia, cidadania é o exercício do poder concedido ao povo; voto é um dos instrumentos disponíveis, senão o mais importante
Antes de responder a esta pergunta, é preciso contextualizar o conceito de cidadania. O que, de fato, significa ser cidadão?
A palavra democracia tem origem na Grécia Antiga - demo significa povo
e kracia, governo. Este sistema de governo foi desenvolvido em Atenas,
que ficou conhecida como o "berço da democracia". Apesar disso, o
"poder do povo para o povo" era exercido pela metade. Mulheres,
estrangeiros, escravos e crianças não participavam das decisões
políticas da cidade.
A concepção mais moderna, que mantém as origens gregas, mas ganhou
força depois da Revolução Francesa, ocorrida no final do século 18,
define cidadania como sendo o direito de participar do poder. "Antes da
revolução só havia súditos, que pagavam altos impostos para manter os
reis e os nobres, legítimos detentores do poder", explica o historiador
João Fábio Bertonha, professor da Universidade Estadual de Maringá
(UEM).
Surgiam, então, os direitos e deveres com o Estado. O imposto pago
pelos cidadãos seria aplicado em serviços que beneficiariam os próprios
cidadãos, a exemplo da saúde e da educação. "Até a Revolução Francesa,
quando alguém conseguia burlar a lei e sonegar impostos era
cumprimentado, porque havia escapado de um assalto. Hoje em dia, a
sonegação persiste, mas é uma atitude reprovável, porque o Estado é de
todos", diz o historiador.
Para Bertonha, os conceitos de democracia e cidadania não se separam.
Enquanto a primeira configura um sistema político no qual as pessoas
deixam de ser súditas para ter representatividade no Estado, a
cidadania é o exercício dessa representação, que tem no voto um dos
principais - mas não único - instrumentos. "Participar de sindicatos,
de conselhos de direitos e de organizações não-governamentais, só para
citar alguns exemplos, são modelos de exercício cidadão", diz o
historiador.
No que diz respeito exclusivamente ao voto, Bertonha é enfático. "De
forma geral, o eleitor brasileiro médio não exerce a cidadania, tem uma
visão reduzida do processo político. A relação entre o voto e a vida
dele não está muito clara", analisa, lembrando que esse direito foi
conquistado duramente.
Uma das explicações para o fenômeno é dada pelo historiador José Murilo
de Cavalho, autor do livro "Cidadania no Brasil ? o longo caminho".
Nele, Carvalho esclarece que o exercício de certos direitos, como a
liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente o gozo de
outros, como a segurança e o emprego.
O exercício do voto também não garante a existência de governos atentos
aos problemas básicos da população. Isso quer dizer que a cidadania
inclui várias dimensões e que algumas podem estar presentes sem as
outras.
Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade
para todos é um ideal desenvolvido no Ocidente e, talvez, inatingível,
mas que te m servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da
cidadania em cada país e em cada momento histórico. Nos países onde a
cultura política é mais desenvolvida e o conceito de cidadania mais
arraigado, o nível educacional é elevado.
No entanto, Bertonha alerta para o perigo de se fazer a relação direta
entre os dois. "Nem sempre isso ocorre", diz. No Brasil, uma pessoa bem
informada é capaz de votar em quem possa beneficiá-lo diretamente.
"Precisamos de mudanças culturais e educacionais", afirma o professor.