Maringá/PR – O Brasil passa por um momento em que é
preciso discutir novas estratégias culturais e políticas de combate ao
racismo e em que os discursos de denúncia e a defesa das ações
afirmativas, embora coerentes e necessários, estão se transformando em
algo banalizado, como se de tanto discutirmos estes temas eles já
tivessem sido resolvidos na sociedade.
A opinião é dos professores Rosângela Rosa e Walter Praxedes, graduados
em Ciências Sociais e mestres e doutores, respectivamente, em Educação e
Antropologia pela Universidade de S. Paulo (USP), atualmente na
Universidade Estadual de Maringá, no Paraná.
Segundo Rosângela e Walter a consequência disso é que “as pessoas
começam a considerar nossos discursos e nossas propostas práticas como
se fossem uma paisagem a que estamos tão acostumados que nem damos mais
atenção”. “A luta antirracista no Brasil não pode ser banalizada desta
maneira. Temos que tentar ampliar o nosso repertório de estratégias para
que as pessoas não considerem o nosso discurso sempre “mais do mesmo”.
Como se nos dissessem: “de novo com esta conversa”. Este é o momento da
criatividade da cultura afrobrasileira nos ensinar a superar esta
banalização que começa a ocorrer com o nosso discurso, sem que tenha
ocorrido a verdadeira superação do racismo no nosso país”, acrescentam.
Eles estão lançando o livro Educando contra o Preconceito e a Discriminação Racial,
que faz parte de uma coleção das Edições Loyola, destinada à formação
de educadores, coordenada pelo educador e professor da USP, Nelson
Piletti. A primeira edição saiu com 2 mil exemplares.
O livro chama a atenção dos educadores para que prestem mais atenção
nas relações entre negros e brancos no cotidiano escolar, na
perspectiva da superação dos preconceitos e da discriminação, como
também fiquem alertas aos conteúdos curriculares de todas as disciplinas
“que já nos chegam saturados de mensagens ideológicas eurocêntricas,
preconceituosos em relação às pessoas classificadas como negras, e que
em formas muitas vezes implícitas e quase imperceptíveis acabam
difundidos acriticamente pelos professores e pelo sistema escolar”.
Confira, em seguida, na íntegra, a entrevista dos professores
Rosângela, que também tem Pós-Doutorado em Antropologia pela
Universidade de Barcelona, na Espanha, e Walter, que é professor
universitário e coautor, com Pilleti, dos livros “O Mercosul e a
sociedade global; Dom Helder Câmara: o profeta da paz; e Sociologia da
Educação: do positivismo aos estudos culturais”.
Afropress – Quais os aspectos mais importantes
abordados na obra dentro da Série Caminhos da Formação Docente e como
ela pode ser utilizada no dia a dia pelos professores?
Rosângela e Walter Praxedes - Os movimentos negros
sempre alertaram para a existência do racismo na nossa sociedade. A
Coleção Caminhos da Formação Docente das Edições Loyola está direcionada
para a formação de professores, e como estudiosos da Educação e das
Ciências Sociais o nosso trabalho visa demonstrar que o desempenho
escolar dos alunos negros é prejudicado pela discriminação que ocorre
diretamente na interação entre os agentes que se relacionam no cotidiano
escolar, professores, alunos, funcionários, familiares.
O nosso livro contribui para o educador prestar atenção diretamente
tanto nas relações entre negros e brancos no cotidiano escolar, para que
os preconceitos e a discriminação sejam superados, como também nos
conteúdos curriculares de todas as disciplinas escolares que já nos
chegam saturados de mensagens ideológicas eurocêntricas, preconceituosos
em relação às pessoas classificadas como negras, e que em formas muitas
vezes implícitas e quase imperceptíveis acabam difundidos acriticamente
pelos professores e pelo sistema escolar.
Afropress - Como a Escola ainda contribui para a manutenção da cultura racista e discriminatória herdada do período do escravismo?
Rosângela/Walter Praxedes - Nas atividades didáticas
em sala de aula, os educadores muitas vezes relevam ou deixam em segundo
plano o fato de que as desigualdades de desempenho escolar das crianças
e adolescentes negros em relação aos brancos que ocorre no cotidiano
escolar, têm também raízes históricas que remontam ao passado escravista
do nosso país.
![](http://www.afropress.com/waUpload/foto-walter-pra00111022014113452.jpg)
Remontam, portanto, às relações de opressão entre colonizadores brancos
e pessoas escravizadas, à política e ideologia do branqueamento da
população brasileira do início da República, à ideologia do eugenismo
das nossas elites intelectuais nas primeiras décadas do século XX, e à
crença sempre difundida pelas classes dominantes brasileiras e até
internacionais de que o Brasil sempre foi uma democracia racial na qual
as chamadas “raças” interagem de forma pacífica sem animosidade ou
violência.
Afropress - Qual o impacto que essa cultura escolar racista ainda tem na formação da criança negra?
Rosângela/Walter Praxedes - Quando discutimos em sala
de aula os resultados da pesquisa realizada pela UNESCO no Brasil em
2006, e várias outras pesquisas, até os educadores militantes dos
movimentos negros ficam surpreendidos com as informações que indicam que
em todas as regiões do país e classes econômicas, tanto nas famílias
mais pobres quanto nas mais abastadas e privilegiadas economicamente,
nos estabelecimentos públicos ou particulares e diferentes disciplinas
“os estudantes negros estão em condição de desvantagem em relação aos
estudantes brancos”. E quanto maior a diferença de renda familiar, maior
a desigualdade no desempenho escolar entre os dois grupos.
Isso quer dizer que mesmo com mais recursos econômicos, os alunos
negros continuam sendo prejudicados pelo processo escolar. E isso
demonstra precisamente que os preconceitos étnicos e raciais contra um
indivíduo ou coletividade podem ter conseqüências práticas extremamente
negativas. Os seres humanos são muito suscetíveis aos julgamentos que os
outros realizam sobre eles.
Não é por acaso que inúmeras pesquisas na área de sociologia da
educação indicam que, tanto no trabalho quanto na educação familiar e
escolar, as expectativas que se tem sobre o desempenho dos indivíduos
influenciam de fato no seu desempenho futuro.
A expectativa dos professores quanto ao desempenho dos alunos
condiciona (embora não determine totalmente) o desempenho dos alunos.
Aquilo que pensamos sobre as perspectivas de um aluno influi no seu
desempenho escolar e na construção da sua identidade.
Afropress - Como estão vendo o cenário da luta antirracista no Brasil - desafios e perspectivas?
Rosângela/Walter Praxedes - Um problema muito
relevante que teremos que discutir é a necessidade de novas estratégias
culturais e políticas de combate ao racismo, pois os discursos de
denúncia do racismo e a defesa de ações afirmativas, embora coerentes e
necessários, estão se transformando em algo banalizado, como se de tanto
discutirmos estes temas eles já tivessem sido resolvidos na sociedade.
Então as pessoas começam a considerar nossos discursos e nossas
propostas práticas como se fossem uma paisagem a que estamos tão
acostumados que nem damos mais atenção. A luta antirracista no Brasil
não pode ser banalizada desta maneira.
Por isso temos que tentar ampliar o nosso repertório de estratégias
para que as pessoas não considerem o nosso discurso sempre “mais do
mesmo”. Como se nos dissessem: “de novo com esta conversa”. Este é o
momento da criatividade da cultura afrobrasileira nos ensinar a superar
esta banalização que começa a ocorrer com o nosso discurso, sem que
tenha ocorrido a verdadeira superação do racismo no nosso país.
Afropress - Nas manifestações de junho, especialmente,
em S. Paulo e Rio praticamente não se notou a presença do movimento
negro organizado. A que atribuem essa desconexão da parcela organizada
do movimento com a realidade? A vinculação à pauta partidária para
maioria das lideranças teria alguma relação com essa ausência?
![](http://www.afropress.com/waUpload/educandocontrao00111022014113618.jpg)
Rosângela/Walter Praxedes - Mesmo com todos os
problemas que persistem na sociedade brasileira, nós estamos passando
pelo maior período de democracia da nossa história.
Desde o fim do Regime Militar a democracia no Brasil vem se construindo
de uma maneira que os movimentos sociais, partidos políticos e
entidades acabam encontrando canais para negociar suas demandas com o
Estado e mesmo para se fazerem presentes com cargos em um Governo de
coalizão como é o caso das presidências de Fernando Henrique, Lula e
Dilma.
Com isso os novos e mais complexos conflitos que surgem todos os dias
muitas vezes não são percebidos pelos agentes que privilegiam a atuação
junto às instâncias do Estado.
Os movimentos de junho de 2013 nos avisaram que existem imensas
demandas de participação política que estão sendo represadas e não são
representadas pelos agentes políticos convencionais.
Por enquanto estas manifestações estão sendo descaracterizadas pela
infiltração de agentes provocadores. Mas vai passar este momento e os
movimentos sociais vão se reaproximar das forças sociais populares que
precisam ter suas reivindicações levadas em considerações, e vão
redescobrir aquilo que sabíamos na época da ditadura, que a política não
se faz apenas no âmbito do Estado, mas também na agregação paciente de
força visando a construção de um projeto futuro de sociedade.
Afropress - Quando o livro será lançado? Onde? Qual a tiragem?
Rosângela/Walter Praxedes - O livro faz parte de uma
coleção das Edições Loyola destinada à formação de educadores, que é
coordenada pelo grande educador e professor da USP, Nelson Piletti. A
primeira edição saiu com 2 mil exemplares, mas esperamos que o livro
chegue ao maior número possível de educadores e ativistas da luta
antirracista no Brasil.
Afropress - Falem um pouco da trajetória pessoal e profissional?
Rosângela/Walter Praxedes - Nós estamos estudando,
trabalhando e compartilhando a vida há quase trinta anos. Quando
iniciamos o curso de Ciências Sociais na USP visitávamos com freqüência o
apartamento do querido e saudoso professor Clóvis Moura, que ficava na
Avenida Angélica, e com ele aprendemos que a luta contra o racismo no
Brasil passa também por esta dimensão da pesquisa acadêmica.
Em Maringá estamos há 22 anos e participamos da fundação de um cursinho
pré vestibular articulado pelo movimento negro. Na Universidade
Estadual de Maringá trabalhamos na realização de eventos com a
participação de estudiosos e ativistas de todo o Brasil, como o prof.
Kabengele Munanga, o jornalista Dojival Vieira, a ativista e filósofa
Sueli Carneiro e tantos outros, além da organização de grupos de estudo,
publicações e cursos sobre as relações raciais no Brasil. Este Educando contra o preconceito e a discriminação racial é
uma síntese deste nosso trabalho simultaneamente acadêmico e político
contra o racismo, a favor das ações afirmativas e da igualdade.
Afropress - Façam as considerações que julgarem pertinentes.
Rosângela/Walter Praxedes - Nós queremos agradecer a acolhida a este nosso trabalho e parabenizar o Afropress por estes 8 anos de sua competente luta contra o racismo e em favor da abertura de novos espaços para os negros em nosso país.
Serviço:
Livro: Educando contra o Preconceito e a discriminação racial
Autores: Rosangela e Walter Praxedes
Edições Loyola, 2.014 – S. Paulo
http://www.afropress.com/post.asp?id=16047