Quando os primeiros moradores, os caçadores-coletores, chegaram à região, há 8 mil anos, viviam em um mundo escasso de comida. Como instinto de sobrevivência, o corpo armazenava gordura, para caso não encontrassem alimento a tempo. Do tempo das ocas para cá, a oferta de comida disparou, mas a capacidade das células em guardar energia, vital para os pré-históricos, continua a mesma.
O organismo não se adaptou à modernidade e
ainda não consegue metabolizar rapidamente os nutrientes. O resultado
dessa matemática desigual é o que vemos todo dia nas ruas e confirmamos
nas estatísticas: há mais gente com sobrepeso.
Pela primeira
vez, mais da metade dos brasileiros está acima do peso. O porcentual de
adultos com sobrepeso aumentou de 48,5% em 2011, para 51%, em 2012. A
taxa de obesos saltou de 15,8% para 17,4% no mesmo período. Os dados
estão na pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para
Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel).
Na região,
pesquisa inédita sobre fatores de risco para doenças cardiovasculares,
que ouviu 1.227 adultos de 20 a 59 anos em Maringá, Paiçandu e Sarandi,
aponta que 56,5% dos entrevistados têm excesso de peso. O resultado
mais assustador foi obtido em Sarandi, onde 64,7% dos participantes têm
sobrepeso. Em Paiçandu, a taxa foi de 58,5% e, em Maringá, de 48,2%.
"Temos fast food e pratos feitos que comemos de maneira rápida,
exagerada e com grande quantidade de líquido, fazendo com que o balanço
energético do organismo fique comprometido. Comemos mais e queimamos
menos calorias", diz o cardiologista Marcus Roberto Andreucci, do
Pronto-Socorro Cardiológico do Hospital Santa Rita. A pesquisa foi
financiada pela Fundação Araucária e deve ser concluída este mês.
Em
Sarandi, onde os pesquisadores encontraram a maior taxa de sobrepeso,
sete em cada dez entrevistados eram das classes C e D. "Quanto mais
baixa a condição econômica, pior é a alimentação, que é rica em
carboidrato, com arroz, batata e macarrão", afirma a professora da
Universidade Estadual de Maringá (UEM) Sonia Silva Marcon, doutora em
Enfermagem e coordenadora do estudo. "Passamos a adquirir refrigerantes,
lanches e fast food, inclusive pelo surgimento de marcas populares;
alimentos ricos em calorias e pobres em nutrientes. Chegamos ao ponto
que além de comida devemos fornecer informação", diz o endocrinologista
Sidney Senhorini Junior.
A ciência sabe que a obesidade é
consequência de três fatores: sedentarismo, alimentação ruim e
genética, mas nem todos apontam para o mesmo ponteiro na balança.
Segundo o endocrinologista, a genética contribui com menos de 50% do
risco de obesidade. "O exercício físico é muito importante em facilitar
a perda de peso e é o principal fator de sucesso em não deixar o
paciente ganhar peso após emagrecer, mas o hábito alimentar é o grande
vilão", explica. Gorduras e açúcares são os maiores causadores de
sobrepeso e obesidade, o problema é que geralmente eles só são
descobertos com a leitura atenta do rótulo. Esses ingredientes, segundo
o médico, estão "ocultos" em refrigerantes, doces, salgados
industrializados, comida pronta e embutidos.
Está provado que a
obesidade aumenta o risco de câncer de intestino e mama, diabetes,
placas de colesterol, infarto e acidente vascular cerebral. Também
causa apneia do sono, gordura no fígado, problema no pâncreas e maior
incidência de cálculo na vesícula. Metade dos hipertensos seria curado
se perdesse peso. "As estatísticas preocupam porque a obesidade tem
doenças associadas que vão trazer impacto financeiro não só para o
plano de saúde ou para o município, mas vai gerar mais afastamento no
trabalho e limitações funcionais", alerta o cardiologista.
Segundo
o médico, os pacientes raramente encaram o excesso de peso como um
problema que precisa de uma solução já. "O peso é um fator limitante e a
pessoa acha que não tem nada além daquilo. A pessoa não percebe a
chegada das doenças, que são silenciosas, mas lá na frente vai colher as
consequências." A preocupação com o que se chama de epidemia da
obesidade é tão grande que sociedades de endocrinologia e cardiologia
começam a fazer campanhas preventivas para os adolescentes.
Andreucci
comenta que nas emergências dos hospitais, a incidência de pacientes
obesos que chegam com pressão alta e doenças coronarianas é cada vez
mais alta. "A gente nota a preocupação dos médicos em trabalhar o
paciente na perda de peso e sempre orientando que o problema da
obesidade não é só o peso, mas as doenças associadas."
Gordura abdominal
A pesquisa coordenada por Sonia
mostra que mais da metade da população de Maringá, Paiçandu e Sarandi
tem a chamada obesidade central, que é o acúmulo de gordura no abdômen.
"Nem
é preciso chegar à obesidade porque essa gordura já é indicador de
risco cardiometabólico", chama a atenção o professor-doutor em Educação
Física, Nelson Nardo Junior, coordenador do Núcleo de Estudos
Multiprofissional da Obesidade (Nemo) da UEM.
Para escapar dos riscos
provocados pelo acúmulo de gordura na barriga, mulheres precisam ter
até 88 centímetros de circunferência da cintura e, homens, até 102.
Nas ruas, não é difícil ver pessoas acima do peso. Médicos alertam que doenças chegam de forma silenciosa
Alimentação inadequada
De cada cem
entrevistados para a pesquisa nas três cidades, 74 não comem a
quantidade indicada de frutas, legumes e hortaliças. Em Sarandi, o
índice é bem mais alto: 74%. Em Paiçandu, 49% têm alimentação
inadequada. Uma dieta é considerada inadequada quando o consumo de
frutas, legumes e hortaliças é inferior a cinco vezes por semana.
Na
luta contra a balança, a nutricionista Ana Paula Souza diz que dietas
restritivas demais não funcionam e que a melhor saída é organizar os
horários das refeições e comer saudável. Para pacientes obesos, a
técnica, segundo ela, é interferir no cardápio e diminuir de 25% a 30%
as calorias ingeridas por dia. "Quem é gordinho come muito. Não pode
passar uma dieta restrita."
Organizar os horários das refeições é
um passo importante para perder peso porque é importante estimular o
metabolismo. História comum no consultório é o "não tomo café da
manhã". "A pessoa tem que acordar e quebrar o jejum de oito horas. A
partir daí, tem que comer a cada três horas." Pesquisas já mostraram
que quem faz apenas três refeições ganha mais peso do que quem come
seis vezes ao dia. "O organismo é feito para engordar e sobreviver. Se a
pessoa não come, o corpo acha que vai passar fome e o metabolismo
desacelera", explica.
A dieta nem sempre é associada à atividade
física. Alguns casos, de obesidade extrema, a nutricionista recomenda
que o paciente elimine cinco quilos antes de se exercitar. "O exercício
é importante, desde que ele esteja apto a fazer." Alguns
fitoterápicos, que controlam ansiedade, são receitados para evitar o
ataque a doces no fim de semana e nas madrugadas. Mas a palavra-chave
para mudar de vida, na opinião de Ana, é a motivação. "É fundamental
para emagrecer." (Carla Guedes)
http://www.odiario.com/zoom/noticia/772530/quanto-menor-a-renda-maior-o-peso/