O
resultado no Supremo Tribunal Federal (STF) que liberou as pesquisas
com células-tronco embrionárias revelou, segundo o doutor em Filosofia
Política e professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) José
Antônio Martins, um julgamento que evidenciou uma característica da
sociedade brasileira: a força da religiosidade.
"Os ministros não julgam só em função da lei, mas também dos princípios
morais nos quais estão pautados." Martins, que reprova a interferência
da Igreja Católica em assuntos científicos, afirma que cada vez que a
instituição faz palpites sem fundamente perde o seu valor.
O diário - Quando começa a vida?
José Antônio Martins - Até o século XVIII, o homem era
entendido por corpo e alma. A vida começava quando a alma entrava no
corpo. A partir do século XVIII, os materialistas franceses começaram a
falar que a matéria era dotada de energia e adotou-se outra concepção
de vida. Eles diziam que a vida começava quando os átomos começavam a
se movimentar. Se você tem a união do óvulo com o espermatozóide, em um
ambiente favorável à reprodução, já se forma uma célula-ovo, que vai
resultar no ser humano.
Outros cientistas dizem que vida humana pressupõe complexidade e que
começaria com a formação do sistema nervoso central, pressupondo que só
vai haver vida após três meses de gestação. Já outros ainda dizem que
quando a criança nasce não existe vida no sentido de cultura porque ela
não domina a linguagem. Não há decisão precisa no meio acadêmico sobre
o início da vida. A filosofia, atualmente, está um pouco a reboque
nesse sentido. Dependemos um pouco da ciência para falar do assunto.
O senhor é a favor das pesquisas com células-tronco de embriões humanos?
Quando a gente proíbe a pesquisa, a gente impede o avanço da
humanidade. O que tem que ser feito é o seguinte: autorizar a pesquisa,
mas com uma série de mecanismos de controle. As pesquisas são
extremamente regulamentadas e fiscalizadas e o que a gente quer hoje é
autonomia para realizá-las.
Como o senhor avalia o placar da votação no Supremo Tribunal Federal (STF)?
A votação foi feita por juristas, que formularam seu parecer em função
da constitucionalidade da pesquisa. A gente não pode esquecer que,
apesar de constituído por juristas, o STF também é político. Não é um
julgamento totalmente isento. Um exemplo disso é o ministro Carlos
Alberto Menezes Direito. Ele é integrante da Igreja Católica e está lá,
de certa forma, representando-a. Ele emitiu um juízo de ética católica
e se pautou por princípios que norteiam a sua consciência.
O próprio placar do julgamento, de seis votos a cinco, mostra que é uma
questão aberta porque envolve um tema central da cultura brasileira,
que é a sua relação com a religião. As igrejas fizeram pressão para que
não fosse dada a constitucionalidade da pesquisa por temerem que isso
atacaria os princípios das religiões. Só que somos um Estado laico e a
liberdade de pesquisas tem que estar acima das convicções. Foi um
julgamento que revelou um pouco dessa característica da sociedade
brasileira. Os ministros não julgam apenas em função da lei, mas também
dos princípios morais nos quais estão pautados.
Até que ponto a Igreja tem o direito de interferir em assuntos científicos?
A Igreja, assim como qualquer ser humano, pode palpitar sobre tudo. Só
que há diferença entre o palpite e o argumento qualificado. O problema
da Igreja é que muitas vezes ela interfere no assuntos com base em
argumentos pouco razoáveis. Quando a Igreja faz isso, perde o seu
valor. A ciência não pode se pautar por opiniões particulares
desqualificadas e sem fundamento.
Quando a Igreja Católica fala e se baseia na fé, ela parte do princípio
de que as pessoas têm fé, mas a fé não é um dado de realidade e que
todos têm. A fé é uma coisa privada. Os argumentos católicos não têm
mostrado força suficiente para convencer os cientistas. No fim, a
questão sempre é de fé, mas a ciência não pode se pautar nela. A razão
não pode ser pautada pela fé. Talvez, para o homem simples e para a
dona de casa, a fé possa ter força, mas na comunidade científica, não.