A
presidente do Conselho Municipal Antidrogas de Maringá, psicóloga e
professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maricelma
Brégola, considera que o imediatismo, aliado ao individualismo e à
falta de relacionamento, favorece o aumento da procura pelas drogas de
hoje. A falta de limites é outro fator apontado como prejudicial.
"Os adultos é que têm problemas para colocar limites, não são as
crianças e os adolescentes que não têm limites", avaliou Maricelma, que
é casada e mãe de dois filhos. Como profissional, atua no tratamento de
dependentes químicos há 18 anos na UEM, onde foi criado o primeiro
ambulatório para dependentes químicos de Maringá.
Esta semana, Maricelma entregou aos vereadores, em nome do Conselho
Antidrogas, o relatório da III Conferência Municipal sobre Drogas, em
que se propõe, entre outros, a criação de uma Secretaria Municipal
sobre Drogas para unificar e fortalecer o trabalho da prevenção, do
tratamento e da repressão na cidade.
Longe do trabalho e da busca de soluções para um problema que aflige a
sociedade, Maricelma, uma jovem senhora bem humorada, conta que tem
aprendido a cozinhar . "Antes tinha resistência, agora percebi que é
algo bem prazeroso."
O diário - As drogas são um problema de quem?
Maricelma Brégola - De todos nós. Mas gostaria de
comentar a pergunta porque é interessante. Normalmente se coloca que as
drogas são um problema. Mas as drogas são as drogas, são os
medicamentos. Os medicamentos são um problema? Muitos medicamentos são
utilizados para a resolução de problemas. Então as drogas pura e
simplesmente, em si não são um problema. O tabaco é o problema. Não, o
tabaco não é o problema.
O problema é como vamos lidar com ele, como nós usamos, assim como o
álcool. Na maioria dos rituais religiosos vamos encontrar a bebida
alcoólica e neste determinado momento ela não é um problema, pois tem
uma função importante para as pessoas.
A senhora acredita que é possível acabar com os problemas causados pelas drogas?
Acabar? Não acredito. Podemos diminuir bastante, porque nunca vamos ter
uma sociedade sem problemas. Para acabar com um problema que diz
respeito a todas as questões, teríamos que pensar numa sociedade sem
probelmas, mas isto não existe. Porém, podemos diminuir. Quando falamos
de Maringá, por exemplo, os números da criminalidade de hoje não se
compraram aos de pouco tempo atrás. O que precisamos saber é o que tem
ocorrido para o problema ter aumentado.
Dentro deste contexto, é possível responder porque aumenta a cada ano o número de usuários de drogas?
Temos uma realidade social muito difícil. Dentro desta realidade temos
uma dificuldade econômica e temos uma dificuldade de relacionamento. A
simples conversa de uma pessoa a outra, hoje, não é uma coisa fácil. E
se hoje uma pessoa, para se relacionar, ter amizade com outra, tem
dificuldade, isso vai facilitar o uso de alguma substância para ajudar
a lidar com estas situações.
Também vemos situações familiares complicadas pela questão de
relacionamento ou econômica e, isto favorece a busca de soluções
imediatas, que são uma proposta da droga. Na questão econômica sabemos,
infelizmente, quanto o tráfico é uma atividade lucrativa. E hoje
vivemos numa sociedade capitalista e individualista em que a pessoa só
vai ter valor se for bem sucedida, tiver uma boa roupa, morar bem. Aí é
que a pessoa vai ter respeitabilidade. Isto propicia que eu me arrume
de alguma forma, independente de como.
O número de ofertas, hoje, também favorece o uso das drogas. Tem muita disponibilidade, não é uma coisa difícil de encontrar.
Também percebemos, hoje, que vivemos numa sociedade imediatista, com tudo rápido. Isto também colabora para o uso das drogas?
Sim. É tudo imediatista. Tudo tem que ser feito rápido para deixar tudo
bem. Se você tem qualquer problema, só se pensa como é que se pode
resolver e rapidamente. Não se tem mais tempo para estar pensando, para
ver onde está o problema e como ele pode ser resolvido. Não se tem mais
tempo para isto, tem que resolver.
Dentro do trabalho feito contra o uso das drogas, o que é mais importante: prevenção, tratamento ou repressão?
Atualmente, não dá mais para dizer o que é mais importante. Em outra
situação, diria que é a prevenção. Mas na situação de hoje, temos que
ter prevenção, tratamento e repressão de forma intensa e não saberia
dizer qual delas é mais importante. Hoje, não temos mais tempo para a
prevenção. Crianças de 9, 10 anos estão dependentes.
Adolescentes de 15 anos têm sido apreendidos. Claro que temos que estar
muito preocupados com a prevenção. Mas antes, falávamos de prevenção no
Ensino Médio e hoje temos que falar de prevenção no Jardim da Infância.
E o tratamento hoje temos uma demanda muito grande.
Na emergência psiquiátrica é altíssima, atendem em torno de 70 pessoas
por dia. E os que vão direto no hospital e os que procuram diretamente
as comunidades terapêuticas e os que nos procuram na UEM. E os que não
procuram? E tem o problema do tráfico, que precisa de repressão.
Hoje temos que trabalhar juntos nestas três pontas de forma bem
dividida. Mas se analisar dados econômicos, do dinheiro usado para
combater as drogas, 80% vai para repressão e 20% para prevenção e
tratamento. Isto é um dado de 2006. Esta desigualdade não dá mais. Tem
que distribuir isto e trabalhar de forma integrada.
Qual a posição do Conselho Municipal Antidrogas sobre a possibilidade de se criar a Lei Seca em Maringá?
A priori é favorável, pois tudo tem limitação para ser comercializado.
As farmácias cumprem limite de horário, os mercados, o comércio. A
sociedade cumpre os limites de horário em função de uma série de coisas
que visam o bem das pessoas. Vou pedir um favor para vocês da imprensa.
Não intitulem Lei Seca, mas Lei de Limite de Horário, pois é apenas uma
lei que coloca limites.
Uma das falas dos pais hoje é sobre a dificuldade em se por limite nos
filhos. Parece que ninguém mais sabe colocar limite em nada. Hoje é
assim, trabalha-se demais, fala-se demais, come-se demais, faz-se muito
exercício. Tem que ser tudo demais, mas sabemos que tudo o que é demais
não é legal. O que precisamos é regulamentar as coisas e a lei é para
isto. Não é nem para não ter e nem para ter demais. É para haver um
equilíbrio.
É possível afirmar que o crack é o grande mal do início deste século?
Com certeza é um dos grandes. Em termos de droga, é considerado uma das
piores, no que diz respeito aos efeitos, à composição. O crack é o
lixo, a parte ruim da coca, que já é uma droga com grande poder de
dependência, destruição e alteração. E o crack causa uma dependência
maior, o efeito no organismo é maior e destrói muito mais. E, até
agora, não temos usuário do crack, que é aquele que usa e, depois de um
tempo usa de novo.
O crack não permite isto, ele causa uma dependência mais rápida. Temos
pessoas que se tornam dependentes na quarta , terceira vez que usam e
nem uma outra droga é assim. O crack definha a pessoa.
Como é a reinserção de um dependente químico na sociedade?
A reinserção é sempre difícil, qualquer que seja o pro blema. O
dependente químico vai entrar na dificuldade da sociedade em lidar com
o diferente. E muitos dependentes trazem a questão da saúde e da
criminalidade. Mesmo o alcoolista é caracterizado como alguém que não
vai conseguir. Sempre se tem um preconceito de que a pessoa não vai
produzir e, desta forma, se erra ao valorizar a incompetência na
reinserção.