Participar
de um golpe, seja como mentor intelectual, seja como vítima, é uma
manifestação de vontade. Escondido nos mais recônditos meandros da
mente humana, moram algumas do porquê, ainda hoje, se aplicar com
sucesso algumas vigarices tão antigas quanto a própria história.
O psicólogo e professor da Universidade Estadual de Maringá José Artur
Molina comenta de que maneira algumas estruturas mentais conspiram
contra a própria pessoa. E desvenda quem são e como agem os personagens
dessa trama.
O diário - Qual o perfil do golpista que aplica os famigerados contos do vigário?
José Artur Molina - Trata-se de gente inteligente,
habilidosa e empenhada. Um cidadão de boa conversa, que você nunca viu
mas que, em cinco minutos, te encanta. São sensíveis, conhecem bem o
espírito humano e mexem na ferida: a carência. E, claro, são indivíduos
sem escrúpulos; logo, sem culpa. Aliás, para eles, a culpa é das
vítimas.
Como se pode culpar alguém que nunca se viu antes?
Eles dividem as pessoas em dois tipos, e somente dois: os espertos e os
otários. E eles odeiam otários, independentemente de conhecê-los. "Quem
manda ser trouxa", é o pensamento deles. Envolve sedução e violação.
O senhor teve contatos com estelionatários quando eles estavam na prisão. Como foram esses contatos?
Tive contato com muitos criminosos, há alguns anos, por conta de um
trabalho com apenados que desenvolvi em Londrina. De ladrões a
assassinos. De longe, os mais agradáveis eram os golpistas. Talvez por
estarem presos e não possuírem nenhum interesse imediato, eles ficavam
até mais relaxados. São figuras encantadoras e essa é a arma que eles
usam.
Eles comentam sobre os golpes, são arredios?
Eles não tocam no assunto. Se dizem pessoas de bem que estão presas por
injustiça, não deveriam estar ali. "Você está me vendo, você pensa que
eu sou capaz de fazer o que dizem que fiz?", me perguntavam. São sempre
inocentes e falam isso com uma desenvoltura que, quem não conhece,
acaba acreditando.
O que faz com que uma pessoa se torne um golpista?
Normalmente é o ambiente. Quem vive rodeado de mentiras, num lugar sem
ética, valor comunitário ou respeito, dificilmente vai adotar outro
comportamento. Essas pessoas são um pouco vítimas de suas histórias,
devem ter sido tratadas com muita sordidez e se rebelam para fazer
parte de outro grupo. Somos filhos da ambiência (meio ambiente).
E quanto à vítima, qual o perfil?
Todos podemos ser vítimas. Temos uma enorme capacidade de acreditar.
Passa por um pensamento mágico, infantil, de que é tudo fácil. Depois
vem a recusa em aceitar coisas negativas, o que nos põe sob risco. E a
vulnerabilidade do ser humano causada pela carência. Quanto mais
carente a pessoa, mais simples é o golpe. Mas conheço pessoas que
considero inteligentes, formadas, profissionais liberais e que caíram
em golpes também. É um ganancioso e um ingênuo ao mesmo tempo.
Não há um paradoxo aí? Normalmente pessoas gananciosas têm mais cuidado com seu dinheiro.
Os gananciosos via de regra são avarentos, se permitem pouco prazer. E
aí é que está a armadilha: o prazer deles é ganhar mais dinheiro, levar
vantagem. O golpista chega com essa promessa e eles acabam caindo. O
princípio do prazer prevalece sobre o princípio da realidade. A vítima
é o negativo do vigarista e cai porque quer ser esperto. A habilidade
do vigarista sobrepuja a inteligência e a experiência da vítima.
Existe alguma maneira de não ser ludibriado?
Todo ser humano tem potencial para cair num golpe. Às vezes, até por
conta de um momento específico que está vivendo, uma situação pela qual
está passando e que o deixa mais vulnerável. Assim sendo, só consigo
pensar em um conselho: não converse com estranhos.