Maringá é uma cidade planejada, conhecida como cidade-jardim. É mesmo?
Contrariando essa afirmação, a historiadora paranaense Rosana Steinke afirma, em seu livro Ruas curvas versus ruas retas - a trajetória do urbanista Jorge de Macedo Vieira, que Maringá só se enquadraria na categoria se o conceito de cidade-jardim fosse revisto.
A adaptação da dissertação de mestrado foi publicada no final de 2007, pela Editora da Universidade Estadual de Maringá (Eduem), com recurso integral da Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
Procurei fazer uma biografia profissional do Vieira, mostrando a importância do conjunto da obra dele. É um trabalho de história regional que faz uma ponte entre o singular e o universal, trabalhando questões de história urbana e a transferência do conhecimento técnico sobre a cidade, entre a Europa, Estados Unidos e Brasil ao longo do século 20, diz a autora, graduada pela UEM, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela USP e doutoranda em História pela UFPR.
Para quem não sabe, Jorge de Macedo Vieira (1894-1978) foi o urbanista contratado para planejar Maringá, no ano de 1945. Sobre ele, basicamente uma afirmação ficou nos livros da história da cidade: ele nunca pisou os pés nestas terras. De sua trajetória e importância, pouco se fala.
Século 19
O conceito de cidade-jardim vai além de arborização. Surgiu na Inglaterra, no século 19, idealizado pelo inglês Ebenezer Howard. Era uma resposta aos problemas das cidades industriais, vistas como um lugar apartado da natureza, cheio de problemas.
Por isso, os projetos de cidade-jardim já incluíam grandes áreas verdes e um número determinado de habitantes que, quando atingido, implicaria na construção de outras cidades próximas, formando uma constelação de cidades.
No conceito original, imbricado no espírito do socialismo utópico, a cidade-jardim pressupunha também uma gestão comunitária. Ainda na Inglaterra, teoria e prática não caminharam lado a lado.
Só se pode pensar em Maringá como cidade-jardim, se pensarmos na dilatação desse termo, justifica.
No Brasil, o ideário da cidade-jardim chegou com a Cia. City, em São Paulo, onde Vieira estagiou e depois trabalhou por dois anos.
É lá que ele aprende o ofício na prática. Em 1922, quando abre seu escritório com um amigo, passa a usar o mesmo traçado da City, mas para outra clientela. A City fazia projetos para a classe média alta (loteamentos dirigidos) e ele, ao contrário, para a classe média baixa, como o Jardim da Saúde, Jardim Japão, Vila Maria, entre outros.
Foram dezenove bairros planejados por ele em São Paulo. No Jardim da Saúde, a Associação dos Moradores do Jardim da Saúde (AMJS) conseguiu, em 2002, o tombamento de seu planejamento urbano pelo valor urbanístico, histórico, ambiental e paisagístico.
Cada projeto de Vieira é único, porque ele segue a topografia do terreno. Nenhum terreno é igual ao outro. Isso é ecológico. Ele tem essas preocupações num momento em que quase ninguém tinha, comenta.
Nesse sentido Vieira é moderno, mas as pessoas confundem moderno com modernista.
Para chegar às suas conclusões, Rosana teve acesso a projetos originais e a documentos particulares inéditos, cedidos por uma sobrinha-neta do urbanista.
Também esteve em todos os bairros projetados por Vieira, além de cidades como Águas de São Pedro (SP), Cianorte e Pontal do Sul (PR), onde o projeto não foi totalmente implementado, apenas o arruamento.
Águas de São Pedro foi construída em 1937 a partir do nada, num solo que estava esgotado pela cafeicultura. Getúlio Vargas queria descobrir petróleo e acabou descobrindo água. Moura Andrade (ex-senador paulista, empresário construtor de Andradina e Nova Andradina) contratou Vieira para fazer uma cidade usando esses recursos e hoje Águas de São Pedro é uma das cidades de melhor índice de qualidade de vida do Brasil, destaca.
Maringá seguiu uma lógica semelhante: começou no meio do mato, motivo pelo qual não adiantaria muito que Vieira tivesse vindo para cá naquele momento.
A equipe da Cia. Melhoramentos fez o levantamento topográfico no qual ele se baseou para fazer seu planejamento inicial, que é na verdade um esboço com uma sugestão de como deveria vir a ser a expansão da malha urbana.
Ele era um homem discreto e dedicado ao trabalho, quase não saía, não viajava, foi chamado para ser prefeito de São Paulo e recusou.
Antes de morrer, Vieira deu uma entrevista onde declarou, a respeito dos parques maringaenses: Eu projetei aqueles parques com o seguinte sentimento: de mostrar às gerações que viessem depois, quando a cidade estivesse construída, o que era Maringá antes da cidade.