Para compreender as reivindicações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra é necessário voltar no tempo e entender como surgiu a concentração de terra no Brasil
Entre as décadas de 1970 e 1980, o Brasil vivia um processo de mobilizações operárias nas cidades e lutas pelo fim da ditadura. No Paraná, a usina hidrelétrica de Itaipu havia sido construída e começava a operar, desalojando quem vivia na região alagada. Também no estado, um novo modelo agrícola, baseado na lavoura mecanizada e no cultivo de soja, trigo e milho (culturas que não empregam tantos trabalhadores quanto o café), dera origem a uma massa de desapropriados do campo. Como consequência desse contexto, foi criado, em 1984, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). A organização completa 25 anos em 2009 e é provável que o tema apareça no vestibular.
O professor de História Osvaldo Siqueira, do Curso Unificado, explica que o MST começa a se organizar na década de 1970, mas a primeira reunião formal entre seus integrantes ocorre em 1984, em Cascavel, no Oeste do Paraná. Em 85 há o primeiro Congresso Nacional do MST, em Curitiba, em que os trabalhadores estabelecem algumas das diretrizes de ação do movimento, complementa. Segundo o site do MST, as palavras de ordem do congresso eram ocupação é a única solução. O MST tem um objetivo bem claro: a socialização da terra e das riquezas vindas dela, afirma Siqueira. De acordo com o professor, porém, é necessário compreender a história da formação das grandes propriedades rurais no Brasil para entender as reivindicações e atitudes do movimento.
A desapropriação de terras improdutivas está prevista na Constituição Federal, mas, segundo Siqueira, a implantação efetiva de uma política de reforma agrária esbarra, entre outros fatores, na tradição latifundiária do país. Quando o rei de Portugal resolve ocupar o Brasil, uma das preocupações que tem é não gastar muito com a colonização. Então, ele repassa essa colonização a alguns particulares, que serão os novos proprietários das terras que ele irá doar, as capitanias hereditárias, explica. O governo português divide a faixa litorânea brasileira em 15 lotes, onde os donatários iniciam o plantio da cana-de-açúcar. Depois vamos continuar na monocultura, às vezes variando entre um produto e outro. Sempre tivemos no Brasil uma cultura voltada ao latifúndio e à monocultura para exportação. Enquanto não mudarmos isso, fica complicada a aceitação de um movimento como o MST, avalia.
O professor acrescenta que os grandes proprietários de terra sempre estiveram à frente do poder político no país. Ele lembra que o período da República Velha que se estende da proclamação da República, em 1889, à Revolução de 1930 foi marcado pela política do café-com-leite, com o revezamento do poder entre os estados de São Paulo (poderoso economicamente pela produção do café) e Minas Gerais (importante produtor de leite). E com que apoio os representantes desses estados vão contar para fazer a sua manutenção no poder? Dos coronéis, que eram os grandes proprietários de terra, explica. Os coronéis mantinham seu poder pelo voto de cabresto, obrigando os eleitores a escolherem os nomes que indicavam. Eles determinavam o voto (que era aberto) para as pessoas que viviam na região, a partir da força de seus jagunços, afirma.
Tensão no campo
Um dos momentos mais marcantes e de maior repercussão na história do MST talvez tenha sido o confronto ocorrido no município de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 17 de abril de 1996. Aproximadamente mil sem-terra bloqueavam um trecho de uma rodovia, em protesto contra a demora na desapropriação de terras, e entraram em conflito com cerca de 150 policiais militares. Dezenove trabalhadores rurais morreram. Ali é uma região onde predomina a apropriação irregular de terra. Há grileiros e posseiros. O grileiro se apropria de uma grande área para especular em cima e o posseiro ocupa uma pequena área para sua sobrevivência. Os trabalhadores ocuparam a rodovia para pedir a legalização dos assentamentos, só que isso esbarrava nos interesses dos grileiros e dos madeireiros, explica o professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Elpídio Serra.
Marcela Campos