Organizadora do livro "Adolescência em
foco: contribuições para a psicologia e para a educação" discute relação
da idade com a escola
"Adolescência não é natural, é construída culturalmente"
A palavra "adolescência" vem do verbo em latim "adolescere", ou seja,
"crescer até a maturidade". É a fase encarada pela maioria das pessoas
como um período de rebeldia e agressividade. Constatação distinta da
obra "Adolescência em foco: contribuições para a psicologia e para a
educação", lançada recentemente pela Editora da UEM (Eduem) em parceria
com o Instituto Araucária, para a qual a adolescência não é algo natural
do ser humano, mas uma construção social e cultural.
Foi com a
intenção de se aprofundar no estudo, discutindo a relação da
adolescência e a escolarização, que as professoras da Universidade
Estadual de Maringá (UEM) Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal e
Marilda Gonçalves Dias Facci, e a professora da Universidade de São
Paulo (USP) Marilene Proença Rebello de Souza reuniram na publicação
diversos artigos sobre o tema. Em entrevista sobre o assunto, a
professora Záira defende a abordagem do livro, pontuando a necessidade
de a família e a escola serem canais fundamentais para estabelecer um
diálogo com os jovens, aproveitando a fase auge da capacidade de pensar
do adolescente.
P.— Sem se ater ao perfil de "aborrescente", quais as características mais presentes no comportamento de adolescentes?
R.—
Essa coisa da irritação e da rebeldia fica muito ligada a uma questão
da própria mudança hormonal, da puberdade. São fatos diferentes. A
puberdade também é um período de modificações. Agora esse comportamento
tumultuado que atribuímos ao adolescente é algo culturalmente
construído. Destacando a rebeldia a partir das teorias de base
psicanalítica, que trazem isso e que colocam intensamente essa coisa dos
conflitos. O que temos na verdade é a história da humanidade, que
conforme aumenta o tempo de escolarização para as crianças e precisa
resguardar o mercado de trabalho para os adultos, cria um tempo de
espera que foi se configurando como adolescência e ganhando essa
característica que atribuímos hoje por conta da relação da sociedade, a
própria família que começa a se afastar um pouco do adolescente. E aí
como ele realmente está nessa transição entre a infância e a fase
adulta, por conta de a gente mantê-lo na escola mais tempo, por conta da
própria sociedade diminuir as atribuições do adolescente, comuns ao
adulto como trabalho, ele está em um período de mudança de capacidade de
pensamento. Fase que chamamos de formação de conceito, do pensamento
abstrato, ele adquire uma capacidade de pensar a realidade, de
compreender essa realidade e isso faz com que ele tenha novas
capacidades intelectuais e, no entanto, isso não é aproveitado pela
sociedade. É isso que acaba configurando um grupo diferente, de
adolescentes colocados a margem, separados, por conta de ele estar nessa
fase de mudança e não assumir tantas responsabilidades.
P.— Hoje existe um bombardeio de informações, o adolescente é cobrado
constantemente a tomar decisões e os conflitos nessa idade são
praticamente inevitáveis. Quais as consequências dessa pressão?
R.—
Isso vai depender da forma como a própria família e a escola trabalham
com isso. Se olharmos hoje como a sociedade trabalha, esse bombardeio
existe desde a criança. Ela já está fazendo uma série de atividades
extra, então a escola não é mais algo que ela faz por quatro horas e o
restante do tempo ela brinca. Existe um bombardeio em cima da própria
criança e isso se intensifica na adolescência. É um período que o
adolescente vai ter que definir a profissão, o rumo que ele vai tomar
enquanto adulto. Ele é cobrado por resultados na escola, por saber qual
profissão vai assumir, isso implica em escolher um curso, fazer um
vestibular e isso é uma pressão que, dependendo da forma como a família
lida com isso, pode ser reduzida e não levar a nenhuma dificuldade
maior. Agora estamos em uma sociedade que trabalha em cima da
competitividade, e se for pensar em termos de tempo normal de escola,
ele vai tentar o vestibular com 17 anos e faz o PAS [Processo Seletivo
de Avaliação Seriada] muito antes. Ele presta uma prova pensando em um
futuro profissional com 17 anos. É realmente cedo em termos de tudo o
que a sociedade vem poupando esse adolescente – trabalho,
responsabilidade. Por uma série de questões, temos em termos de Brasil a
maioridade penal a partir dos 18 anos, dirigir a partir dos 18,
trabalho a partir dos 16, então a sociedade criou uma forma de lidar com
a adolescência que vem tutelando esse adolescente de uma série de
coisas. Ele não participa como antigamente participava da vida adulta.
Aí tem que tomar uma decisão profissional muito cedo, então essa é
realmente uma complicação, porque ele tem ainda dificuldades. O que
acontece: muitas vezes essa escolha que ele faz acaba sendo influenciada
pela família, informações da mídia, por uma questão de mercado que se
anuncia como uma boa profissão ou não. Às vezes ele vai se defrontar ao
longo do curso superior com a dificuldade de não ser aquilo que quer,
isso gera dificuldades como mudança de curso e tudo o mais.
P.— O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estipula que o
período da adolescência abrange dos 12 aos 18 anos. Há estudiosos que
defendem que a adolescência segue até os 21 anos. O que deve ser
considerado para tal definição?
R.— A gente vem prolongando essa
adolescência. Aos 18 ele vai na universidade, e estamos falando em
termos de classe média. A classe trabalhadora chega aos 18 e tem que
trabalhar para se manter. São vivências diferentes também: esse
adolescente da classe média acaba não necessariamente assumindo a vida
adulta porque a família continua cuidando da manutenção física,
emocional e econômica. Tem gente que fala que se encerra aos 21, aos
25... Em termos de Brasil, o ECA coloca que a adolescência se encerra
aos 18. Isso pode variar de acordo com os autores, perspectivas legais.
Como adolescência é uma coisa construída historicamente, atribuímos essa
idade, 18, porque é o momento em que ele tem a responsabilidade civil.
Porém, a responsabilidade completa é só aos 21. Então digamos que aos 18
começamos a trabalhar com outra categoria, que seria a juventude.
P.— O livro traz uma perspectiva diferente da adolescência. A partir de quando o termo começou a se disseminar?
R.—
O foco para o estudo, o termo adolescente, é mais intenso no século 20.
Esse período começa a se destacar entre o século 18, 19. O que é
importante frisar é que adolescência não é natural, é construída
culturalmente. Ela tem essa configuração pelo movimento da história de
constituição desse período e o que a gente destaca, e é o que está no
livro, é uma perspectiva da adolescência em termos de desenvolvimento. É
o período em que o intelecto do adolescente, a possibilidade de ele
compreender a realidade vai se configurar. Ele vai formar o pensamento
abstrato, que é a possibilidade de compreender a realidade, a
consciência e a autoconsciência, de si e do outro. Isso é o elemento
novo. Em termos intelectuais ele está mais apto para entender a vida,
onde ele tem curiosidade para conhecer, capacidade de entender o que
acontece com ele e o outro, a realidade em que ele vive. O raciocínio se
modifica. Essa é uma fase bastante rica no desenvolvimento e que acaba
sendo pouco explorada pela escola e pela família.
P.— O que se perde com essa falta de exploração?
R.— Se perde na
riqueza do contato com o adulto. Quando o adulto pensa que o adolescente
não é capaz de entender, que é desinteressado, não está nem aí para
nada, ele perde a possibilidade de se relacionar com esse adolescente de
uma forma que seria formativa. Quando desconsidera o fato de que ele é
capaz de aprender e entender, bem próxima da capacidade do adulto e que é
portanto um momento muito rico para ele ter contato com conhecimentos
novos, novas informações, a família muitas vezes deixa isso por conta da
televisão e do grupo de amigos. Perde o que seria uma formação
estruturante do adolescente.
P.— A maneira como hoje o formato da escola lida com os adolescentes é adequado? O que poderia ser revisto?
R.—
Esse é um grande problema, porque a vida tem um ritmo muito intenso,
então a informação está na internet nesse momento. Se o Justin Bieber
der um espirro nos Estados Unidos, isso está no Youtube agora. Não
existe fronteira, não tem mais demora. A velocidade da informação é
muito grande. Quando o adolescente vai para escola, você ainda tem uma
escola em um ritmo muito lento. Com conhecimentos organizados, pensados
para aquele momento e estruturados daquela forma que você compreende que
são conhecimentos necessários para a formação dele. Porém, a
metodologia fica muito distante do que ele tem fora dali nas mídias
sociais e no dia a dia. Isso já é uma dificuldade. A escola teria que
tentar trabalhar com isso dinamizando um pouco mais a forma de lidar com
o conhecimento. Ela não tem que mudar o conhecimento, mas dinamizar.
Outro elemento é que o adolescente tem condições de compreender porque
ele tem que aprender aquilo, e não necessariamente isso é explicado para
ele. A escola dá o conteúdo porque tem que dar. Se não tem porque, ele
não vai achar útil, não vai ter motivação para aprender. A escola
precisa dar significado para esse conhecimento e valorizar esse momento
que é um momento de possibilidade de pensamento muito grande e explorar
isso. Tornar a escola interessante, questionadora, provocadora. Nesse
sentido de criar a necessidade do conhecimento. É necessário explorar o
desejo de conhecimento que ele já demonstra com a música, filmes,
internet, mas não com o conhecimento escolar. Ficam dois momentos
separados. Outra coisa pouco trabalhado na escola é o conhecimento mais
relacionado à vida, às necessidades de entender questões políticas,
filosóficas, outras coisas que às vezes não fazem parte do currículo
normal. Muitas vezes eles se queixam disso, de a escola não trazer esses
assuntos para o cotidiano. Acho que a escola tem lidado muito com o
estereótipo do adolescente que não quer saber de nada, e ele quer.
Talvez não queira aquilo da forma que a escola está apresentando, mas se
a escola conseguir tornar aquilo significativo para ele, ele vai querer
também. Esse é o exercício, um exercício difícil porque existem outros
fatores que interferem.
P.— Especialistas do sono afirmam que o organismo de um adolescente
reage de forma diferente, por isso ele dorme mais, trabalha melhor no
período da tarde, entre outras reações. Como isso é visto pela ótica da
psicologia?
R.— Pode refletir no comportamento. Realmente, você tem
um metabolismo diferente, uma injeção hormonal diferente e lógico que
isso pode causar flutuações de humor, instabilidade maior do
adolescente, mas, sabendo como isso funciona, é possível controlar e
lidar com isso de uma forma melhor. Sabendo que ele tem que dormir mais,
não posso permitir que ele durma de madrugada, tem que dormir cedo,
porque ele vai precisar realmente de oito a dez horas de sono. Se eu
posso dormir às 2h, acordar às 8h e ir trabalhar numa boa, isso não vai
acontecer com o adolescente. É uma questão de como eu lido com essas
alterações e como eu trabalho em termos de adequar aquilo que o
adolescente faz. Alguns realmente não conseguem funcionar de manhã,
mesmo que durma cedo. Então a família deve fazer uma mudança, colocar
mais atividades no período da tarde. Em geral, é não permitir que ele
fique no computador até tarde para que ele possa se recuperar, pensar em
quantas atividades ele tem e organizar isso ao longo da semana para não
haver sobrecarga física e psicológica. Isso é outra coisa que o
adolescente não tem muita dosagem, é preciso adequar estudo, lazer e
atividade física, que são importantes. Muitas vezes significa o adulto
ajudar o adolescente a se organizar.
FASE
RICA. Neste período é que o adolescente passa a formar o pensamento
abstrato, a possibilidade de compreender a realidade. "Em termos
intelectuais ele está mais apto para entender a vida". —FOTO: J.C
FRAGOSO
http://digital.odiario.com/cidades/noticia/1237753/zaira-de-rezende-leal/