A paralisação dos médicos em Maringá cancelou 73 consultas e duas cirurgias no Hospital Universitário (HU) que seriam realizadas ontem e hoje. Entre os hospitais consultados por O Diário ontem à tarde, o HU foi o único que precisou remarcar procedimentos eletivos por causa dos protestos.
O HU suspendeu os atendimentos ambulatoriais, mas manteve o pronto-socorro funcionando. Duas cirurgias, uma da Obstetrícia e Ginecologia e outra da Gastro, tiveram de ser remarcadas.
Segundo Nelson Uchimura, chefe do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a paralisação teve 90% de adesão dos profissionais na universidade e no hospital. "Alguns pacientes que vieram foram atendidos, mas a maioria das consultas foi reagendada."
O corpo médico do HU é formado por 174 profissionais técnicos, que prestam serviço no pronto atendimento, e por 87 docentes que trabalham no ambulatório. Os 240 estudantes de Medicina e os 60 residentes foram liberados das aulas para participar da mobilização.
No Consórcio Público Intermunicipal de Saúde do Setentrião Paranaense (Cisamusep), 12 médicos especialistas faziam o atendimento de pacientes na manhã de ontem. E, apesar da paralisação, segundo a secretária-executiva da entidade, Zuleide Bezerra, nenhum procedimento foi cancelado.
O Cisamusep oferta consultas especializadas, exames e pequenas cirurgias para 30 municípios da região de Maringá. Por dia, são feitos entre 500 e 600 atendimentos, e por mês, 12 mil pacientes procuram os serviços do consórcio.
Os hospitais Santa Rita, Santa Casa e Municipal informaram que nenhum atendimento teve de ser cancelado. Nas Unidades de Pronto Atendimento Zona Norte e Sul, pacientes foram atendidos normalmente.
Protesto
Ontem pela manhã, um grupo de 200
médicos, estudantes e residentes - a maioria da UEM e do HU - fez um
protesto que percorreu trecho de 1,5 quilômetro pelas avenidas Herval e
Tiradentes até a catedral. A insatisfação da categoria é direcionada
ao programa federal Mais Médicos e à falta de condições para o
exercício da profissão em cidades do interior.
Médicos e futuros profissionais percorreram o trajeto usando jalecos, nariz de palhaço e uma faixa preta no braço, simbolizando o luto da categoria. Alguns carregavam cartazes, outros distribuíam panfletos e uma comissão de frente promovia um batuque para chamar a atenção do público.
O programa Mais Médicos, que pretende importar profissionais e estender o curso de Medicina de 6 para 8 anos, foi duramente criticado pelos manifestantes. "É uma coisa estapafúrdia, sem pé nem cabeça e fere tudo o que há de mais sagrado na Constituição porque não se respeitou direito nenhum", diz o pediatra José Carlos Amador, conselheiro do Conselho Regional de Medicina (CRM).
A vinda dos profissionais estrangeiros sem a comprovação pelo Revalida foi um duro golpe do governo na classe médica brasileira. "Não sabemos nem se essas pessoas são formadas e se elas conseguem falar português e serem entendidas pelo povo", pontua Amador. "Pedimos para que seja feita a prova do Revalida e se o sujeito provar que tem condições de trabalhar, aí tudo bem."
Na passeata, os manifestantes insistiam que o problema da saúde pública do País não é a falta de médicos, mas de condições de trabalho. "Se nos derem estrutura teremos médicos em todas as cidades do Brasil."
A categoria pede também que se crie a carreira de médico, que sejam abertos concursos públicos para que os profissionais não fiquem sujeitos às mudanças políticas em pequenos municípios. "Queremos que quando mudar o prefeito não seja preciso mudar também o médico. Hoje, a gente não tem garantia, não existe contrato, é uma coisa palavreada. Diz que o médico vai ganhar uma coisa e depois não paga, atrasa... Em 100% das cidades pequenas os médicos receberam calote das prefeituras", argumenta Amador.
A anestesiologista Tereza Gurgel, que também participou da passeata, diz que além de o médico estar suscetível a mudanças políticas, a estrutura no interior é precária. "Precisa ter um lugar decente para trabalhar, mas a maioria das prefeituras compra ambulâncias para despachar [os pacientes] para outro lugar. Não tem nem raio x."
Médico em Arapongas, Fernando Ferreira diz que há municípios que chegam a pagar o triplo por um plantão, mas não oferecem estrutura de trabalho. "Sou eu e meu estetoscópio", ilustra. "Não é salário que a gente quer, e sim condições dignas de estar em cada canto do Brasil. A gente consegue fazer isso, desde que tenhamos plano de carreira."
A mudança de grupos políticos no interior, segundo Fernando, faz com o médico migre de cidade em cidade. "Eu vou ser um peregrino? Não, eu sou médico."
Estudante do sexto ano de Medicina da UEM, Marcelle Rocha dos Santos diz que os programas federais seguem a linha do "tapar o sol com a peneira". "Eles colocam a falta de profissionais como o principal motivo da saúde ser ruim, mas na verdade é uma consequência da falta de leitos, de medicação, de aparelhos, de ambulância."http://www.odiario.com/zoom/noticia/761186/paralisacao-de-medicos-afeta-atendimento-no-hu/