Eva Rodrigues Lisboa, de 58 anos, proprietária de uma lanchonete na margem do Rio Ivaí, na PR-317, e sua irmã Sônia Maria, dona da lanchonete na outra margem, convivem com o rio desde crianças.
Elas garantem que o rio "não mudou quase nada" em meio século, mas agora estão apreensivas com as notícias de que várias barragens de usinas hidrelétricas estão para ser construídas. "Se isto acontecer, tudo vai mudar e os peixes vão desaparecer", diz Eva.
Ricardo Lopes
Futuro do Rio Ivaí é marcado por incertezas: construção de hidrelétricas é vista como uma possível ameaça para os peixes
A comerciante foi criada em sítios às margens do rio e lembra que centenas de pessoas vivem da pesca. Os comentários que ouve dos pescadores são carregados de preocupação. "Quando eu era pequena, tinha muito mais peixe, mas mesmo agora ainda tem muito peixe grande".
O Ivaí é considerado o mais ‘intocado’ entre os grandes rios do Paraná. É navegável em toda sua extensão, usado para eventos navais, como os rallies até a foz, no Rio Paraná, procissões de barcos, construção de condomínios e para a realização de campeonatos de pesca que reúnem pescadores de vários Estados.
"Tudo que está à beira do
rio se transforma em lago
artificial, o rio deixa de
ser rio e passa a ser água
parada"
Robertson Fonseca de Azevedo
Promotor de Justiça
Embora seja mais poluído do que o Pirapó, o Piquiri e o Paranapanema, é o que mais tem peixes, tanto que ao longo de seu percurso há várias colônias de pescadores e milhares de famílias vivendo do que retiram de suas águas.
Segundo o biólogo Angelo Antonio Agostinho, que coordena projetos de
pesquisas ecológicas de longa duração na Universidade Estadual de
Maringá (UEM), "quando acontecem grandes cheias em um ano, no ano
seguinte temos muito peixe, mas nem de longe lembra o quanto se pescava
há 20 ou 30 anos".
Ameaças
Participante ativo dos debates sobre o que acontecerá com o rio no caso
de suas águas serem usadas para a geração de energia elétrica, o
pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e
Aquicultura (Nupelia) da UEM diz que o Ivaí está fortemente assoreado e
as matas ciliares são poucas e ralas.
Ele diz que, com a substituição da cafeicultura pelas plantações de curto ciclo produtivo, como soja, milho e cana-de-açúcar, o solo é revolvido todos os anos e as plantas oferecem pouca cobertura. Assim, parte da terra das lavouras é levada para o rio, carregando junto os produtos químicos que são importantes para a agricultura, mas muito maléficos para a vida aquática.
Enquanto especialistas em construção de barragens sustentam que pode-se garantir a continuidade dos peixes no rio se forem construídas escadas nas obras, possibilitando que os peixes passem para outros ambientes para a desova, Angelo Agostinho explica que as passagens de peixes devem ter sua construção motivada por questões genéticas e não somente demográficas.
Segundo ele, caso o trecho acima possa manter populações sustentáveis, com ciclo de vida completo, o que vai regular o tamanho do estoque é a capacidade de suporte do ambiente, de nada adiantando a passagem de grandes quantidades de peixes. Para o professor, fragmentos de população estão sujeitos a problemas genéticos que podem levar à extinção a médio e longo prazos.
http://www.odiario.com/geral/noticia/722525/poluicao-desmatamento-e-hidreletricas-ameacam-ivai/
Mudanças a caminho
A
preocupação das irmãs vendedoras de peixe frito nas margens do rio faz
sentido, pois pelo menos seis empresas apresentaram pedidos de
licenciamento junto ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para a
construção de pequenas e médias centrais hidrelétricas no Ivaí.
Algumas já contam com licenciamento aprovado junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre elas a Hidrelétrica Minas, de Belo Horizonte, a J. Malucelli Energias S.A. E a ERSA Energias Renováveis S.A..
Os pedidos de licenciamento estão gerando reuniões em todos os municípios ribeirinhos. Em Fênix, na margem esquerda, estudos realizados pela Secretaria Municipal de Planejamento mostraram que o município pode perder cerca de 30% de seus 17 mil hectares, justamente na parte mais aproveitada para a agricultura, porque cerca de 5 mil hectares ficarão submersos.
A preocupação é a mesma em Itambé, Floresta, Ivatuba e Quinta do
Sol. Os debates continuarão acontecendo nos próximos meses em outras
cidades, reunindo agricultores, pescadores e cientistas ligados às
universidades paranaenses.
Ministério Público
O promotor público Robertson Fonseca de Azevedo tem participado dos
debates e sempre mostra-se contra provocar tamanho impacto no ambiente
para produzir energia elétrica.
Ele defende que o Paraná é um Estado autossuficiente na produção de energia elétrica, "já deu sua contribuição ao Brasil" e não precisa sacrificar seus recursos naturais com a construção de novas usinas. Segundo o promotor, a construção de uma hidrelétrica provocaria impacto ambiental, social e econômico na região em que estiver a obra e os prejuízos seriam irreparáveis.
Fonseca argumenta que "tudo que está à beira do rio se transforma em lago artificial, o rio deixa de ser rio e passa a ser água parada". Além disso, segundo ele, os peixes de água corrente não vivem em água parada.
Azevedo diz que deve ser levado em conta também o impacto econômico, pois as propriedades que sustentam famílias passam a ficar debaixo d’água, prejudicando as famílias que vivem da agricultura.