Fotos/Ricardo Lopes
Em 2001, surgiam as primeiras evidências de que o ambiente e o estilo de vida causam mudanças na superfície do DNA e elas são transmitidas dos pais para os filhos. Esse campo da biologia, chamado de epigenética, é novo e ainda intriga cientistas.
Hormônios, alimentação, cigarro e drogas estão entre os fatores ambientais com poder de alterar nossa herança celular. Pesquisas com ratos submetidos a doses de cocaína, constataram que as gerações seguintes eram mais propensas ao vício da droga do que o grupo de controle.
Cientistas perceberam também que filhos de fumantes têm mais probabilidade de serem obesos e que crianças nascidas de mulheres que presenciaram os atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos, teriam mais chances de desenvolver estresse.
A possibilidade de um pai transmitir ao filho as características adquiridas em vida levanta a preocupação com as escolhas feitas ao longo dos anos. "O equilíbrio emocional é essencial na prevenção das alterações epigenéticas ou dos danos às estruturas celulares", diz a professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Luciana Borin de Carvalho, doutora em Ciências Biológicas.
"Portanto, devemos identificar e tratar os fatores que nos
desequilibram emocionalmente, procurando equilibrar o trabalho com
lazer, exercícios e tudo que nos dê prazer e equilíbrio emocional."
O DIÁRIO - O que é a epigenética?
LUCIANA BORIN DE CARVALHO - A epigenética refere-se a mecanismos que existem e que alteram a organização e compactação do DNA nas fibras de cromatina. Essas alterações são herdáveis e não modificam a sequência de bases do nosso material genético, o DNA.
Os fatores epigenéticos mais estudados são a metilação do DNA e a modificação das histonas (acetilações, fosforilações e ubiquitinações). As histonas são proteínas que se associam ao DNA para formar a cromatina. Outro fator em destaque são os RNAs não codificadores, como os RNAs de interferência (RNAi) que promovem um silenciamento pós-transcricional de genes.
Esses são os três principais mecanismos epigenéticos que levam a mudanças reversíveis e herdáveis no genoma funcional. São alterações herdáveis porque as mudanças que acontecem em uma célula são passadas para outras através da divisão celular por mitose ou meiose.
No caso da meiose, que leva à formação de gametas, a informação
epigenética é repassada entre gerações, por isso a epigenética possui
relevante importância para a evolução também.
Quais fatores ambientais levam a essas alterações?
As mudanças epigenéticas são fortemente influenciadas pelo ambiente. Muitas alterações ambientais, como o ataque de patógenos, tipo de alimentação, estresse e o fumo, podem acarretar em mudanças epigenéticas. Existem pesquisas mostrando que o modo de vida em si altera o funcionamento das células.
O nível elevado de estresse, por exemplo, aumenta a produção de cortisol que é o hormônio responsável pela resposta do organismo ao estresse, sobretudo de forma crônica, este hormônio inicia e mantém processos inflamatórios que serão a base para as doenças cardiovasculares, câncer, obesidade e depressão.
Estudos realizados demonstram que uma dieta rica em colina levou a
alterações nos marcadores epigenéticos que governam os genes
reguladores do cortisol. Assim, a dieta é um forte fator ambiental que
altera os mecanismos epigenéticos que governam nosso organismo.
Qual a relação entre epigenética e câncer?
Nos processos de oncogênese, existe uma grande influência dos mecanismos epigenéticos, os quais parecem ser importantes por alterarem a expressão de genes relacionados com o câncer. Atualmente, se questiona quais eventos seriam os primeiros a ocorrer no desenvolvimento de um tumor, pois na verdade várias etapas são necessárias até a formação de uma célula maligna, e alterações epigenéticas são presenciadas em praticamente todos os tumores conhecidos.
Um exemplo prático está relacionado com o gene IGF2 que codifica
para um fator de crescimento celular. Alterações no padrão normal de
metilação do DNA deste gene pode levar a uma transcrição exagerada,
levando a uma produção aumentada desse potente fator de crescimento que
parece estar associado ao risco aumentado de desenvolver tumores
colorretais.
Quais substâncias podem levar a alterações epigenéticas?
São conhecidas algumas substâncias que podem levar a alterações epigenéticas. O exemplo vem de um experimento feito com ratas grávidas. Elas foram submetidas a uma dieta com substâncias doadoras de grupo metil, que causa a metilação do DNA e inibe a expressão de certos genes.
Com essa alimentação específica, os pesquisadores modificaram a cor da pelagem dos ratos. Existe um gene que interfere na produção de melanina, que é o pigmento que dá a coloração escura à pelagem dos ratos. Quando esse gene estava metilado, a melanina era produzida e gerava filhotes de ratos com pelo escuro.
Os ratinhos que nasciam tinham pelagem escura, embora a mãe tivesse a
pelagem clara. Os pesquisadores observaram que nas próximas gerações
esses ratos continuaram a ter pelagem escura porque o padrão
epigenético foi herdado. Outro ponto interessante é que esses padrões
epigenéticos podem ser novamente modificados e voltados para a condição
anterior, ou seja, são reversíveis.
As pesquisas já são feitas em humanos?
Existem pesquisas em humanos, mas a epigenética é uma área
relativamente nova porque o projeto Epigenoma Humano teve início em
2001. A gente só tem uma década de estudos efetivos sobre epigenética
em humanos.
Quais contribuições a área pode dar à humanidade?
A pesquisa na área da epigenética alcança implicações na agricultura,
na biologia e nas doenças humanas, incluindo o entendimento sobre
células-tronco, câncer e envelhecimento. Atualmente, já são
comercializado os epi-medicamentos, que são substâncias que estariam
alterando os padrões epigenéticos e, dessa forma alterando a expressão
gênica. O Vorinostat é um exemplo de epi-medicamento utilizado em
algumas formas de linfomas.
Quando os pesquisadores perceberam que o ambiente poderia interferir na nossa carga genética?
Essa ideia foi mais reforçada depois do Projeto Genoma, que visou o sequenciamento do genoma humano, ou seja, conhecer as sequências de base do nosso DNA. Antes do Projeto Genoma, acreditava-se que a espécie humana tinha aproximadamente 100 mil genes.
Com a conclusão do projeto, observou-se que a espécie humana tem
entre 25 mil e 30 mil genes. Isso levou a essa conclusão: que o
ambiente é muito efetivo na questão da expressão dos genes. A partir
daí é que os estudos da epigenética se acentuaram. O ambiente tem
grande influência sobre a expressão dos genes, mas não há muitos
trabalhos na área.
Isso quer dizer que devemos ter cuidado com as nossas escolhas e como levamos a vida?
Sim, com certeza. Quando estamos estressados, por exemplo, ocorrem mudanças fisiológicas que alteram a quantitativamente a produção de hormônios em nosso organismo. O equilíbrio emocional é essencial na prevenção das alterações epigenéticas ou dos danos às estruturas celulares.
Portanto, devemos identificar e tratar os fatores que nos
desequilibram emocionalmente, procurando equilibrar o trabalho com
lazer, exercícios e tudo que nos dê prazer e equilíbrio emocional.
Isso se aplica ao uso de drogas, por exemplo?
Já li artigos em que a cocaína foi ministrada a ratos e os animais das gerações seguintes eram mais propensos ao vício da droga que o grupo de controle. Os filhos de ratos machos expostos à cocaína eram resistentes aos efeitos de recompensa da droga. O estudo concluía que, induzida pela cocaína, mudanças no cérebro podem ser herdadas.
Outros artigos apontam que a exposição pré-natal para as anfetaminas e o álcool alteram a expressão de certos genes ligados ao desenvolvimento neuronal em ratos. As descobertas sugerem que essas alterações podem contribuir para o desenvolvimento de defeitos observados em crianças expostas a drogas e álcool no útero.
http://www.odiario.com/cidades/noticia/711815/maus-habitos-ficam-de-heranca-diz-biologa/