Uma pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (UEM) está recrutando pessoas que fizeram cirurgia bariátrica entre 2000 e 2010. O estudo, financiado pelo Ministério da Saúde, quer avaliar 300 pacientes para saber o que mudou na vida de cada um após a operação.
Os primeiros resultados não são muito animadores para os pacientes. De 80% a 90% continuam obesos por causa do alto índice de gordura corporal.
Fotos/Douglas Marçal
"Falta acompanhamento", diz Nelson Nardo Junior, pós-doutor em Obesidade e coordenador do Núcleo de Estudos Multiprofissional da Obesidade (Nemo), da UEM. "O acompanhamento pós-cirúrgico é para o resto da vida do paciente e essa é uma coisa que as pessoas não estão muito acostumadas."
Nardo teme que a cirurgia bariátrica esteja sendo oferecida como o primeiro tratamento contra a obesidade. Ele defende um modelo adotado desde 2006 no Canadá, que conta com uma rede organizada sobre o tema. Naquele país, de 20% a 25% da população adulta é obesa.
Os que procuram ajuda não são direcionados logo para a cirurgia. Antes, passam por nutricionista, psicólogo, recebem incentivo para fazer atividade física e tratamento com remédios. "No Brasil, a cirurgia acaba sendo a opção que as pessoas têm acesso."
O número de cirurgias bariátricas feitas no País cresceu 334% em oito anos. Em 2003, foram realizados 17,7 mil procedimentos, contra 77,3 mil no ano passado – apenas 7% delas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Os pesquisadores aceitam voluntários de Maringá e região. Os interessados podem entrar em contato pelo telefone 44 3041 5026.
O DIÁRIO - Qual a intenção da pesquisa que o senhor coordena?
NELSON NARDO JUNIOR - Traçar o perfil do paciente
que fez a cirurgia bariátrica. Sua origem socioeconômica, escolaridade,
o tempo que esperou pela cirurgia e quais distúrbios metabólicos tinha
antes da operação. A nossa equipe envolve profissionais de psicologia,
educação física, medicina, nutrição, enfermagem e farmácia. O
acompanhamento pós-cirúrgico é para o resto da vida e essa é uma coisa
que as pessoas não estão muito acostumadas.
Pelo resto da vida?
Sim. A cirurgia é eficaz, promove perda de peso acentuada e
sustentada. Tem gente que recupera um pouco, mas em uma boa proporção
essa perda de peso se mantém. Ela faz uma curva em J. O primeiro pico
de perda de peso é de um ano a um ano e meio. Depois, começa a haver
reversão do processo.
Por que acontece essa reversão?
Falta de acompanhamento. Se não mudar hábitos, o paciente fica
sujeito a voltar ao mesmo estado que tinha antes. As pessoas não mudam o
estilo de vida de forma muito expressiva. Elas não passam a ser mais
ativas depois da cirurgia. As que passam a ser mais ativas têm resposta
diferente. As que não iniciam esse cuidado com o corpo têm tendência
maior ao reganho de peso.
Quais os primeiros resultados da pesquisa?
Começamos em 2008 e recebemos R$ 308 mil para o estudo.Vamos analisar 300 pacientes. Cem que fizeram a operação pelo SUS, cem por plano de saúde ou particular e cem que não fizeram a cirurgia. Resultados mostram que 90% dos pacientes continuam obesos porque ainda têm quantidade muito elevada de gordura.
Quando se calcula o IMC, 80% continuam obesos. A cirurgia promove perda de peso, mas não para chegar em condição normal.
Apostar todas as fichas na cirurgia pode ser um risco?
São coisas que a gente ainda está procurando entender. Pensa em um indivíduo que está com IMC acima de 45 e, para chegar aos 25, ele tem que baixar absurdamente o peso. Isso pode não ser também a melhor meta. Se a gente considerar que o porcentual de gordura ainda está acima do considerado saudável, ele continua com a saúde em risco e, por isso, a cirurgia talvez não seja a solução do problema.
Estamos analisando o que é mais interessante: conseguir baixar mais o
índice ou ficar em um IMC que pode ser um pouco mais alto, desde que o
paciente faça atividade física, que é uma necessidade humana básica. O
exercício tem que estar presente e é uma coisa que a população tem
tido dificuldade de trazer para a prática.
Por quê?
Muito provavelmente seja pela forma como a sociedade tem se estruturado. Temos um estilo de vida muito focado em metas que tornam o dia a dia muito estressante e competitivo. E você acaba deixando essa questão da saúde e do bem-estar para um segundo plano, quando estiver rico (risos).
Junto com isso está a estrutura das cidades. Faltam ciclovias, embora
Maringá seja até um pouco diferenciada, mas ainda assim precisaria
mais. Estive um período no Canadá e lá você tem vontade de andar de
bicicleta, por exemplo. Precisamos motivar as pessoas a fazer atividade
física.
É contra ou a favor da redução de 18 para 16 anos a idade mínima para a cirurgia bariátrica?
Em algumas situações pode até ser vantajosa, mas o tratamento cirúrgico pode ser usado de maneira abusiva. Pessoas que não estariam prontas para passar pelo procedimento acabam tendo acesso. Ao mesmo tempo em que há aumento da expectativa de vida (em função da cirurgia) fica incerto o que acontece com o paciente no decorrer da vida.
Mesmo nos países mais desenvolvidos que estudam o pós-cirúrgico, o
acompanhamento não é além de 20 anos. A gente não sabe o que acontece
com essas pessoas após 30 anos da cirurgia. O que a gente sabe é que
muda muito, mas será que vai aumentar riscos ou torná-las suscetíveis a
outros problemas?
A cirurgia pode estar sendo oferecida como a primeira solução para a obesidade?
Exato. Começo a enxergar a obesidade como uma doença negligenciada.
Olha a campanha que o Brasil tem para o combate ao Aedes aegypti. Tem
matéria na tevê, profissionais da saúde indo às casas... Ótimo. Vamos
comparar com o cuidado que há para tratar da obesidade. O nível de
atenção entre as situações é bastante desproporcional.
O que é ter sucesso na cirurgia?
Está muito claro que as mudanças que o exercício promovem no corpo não podem ser mensuradas somente pela balança. Isso porque você ganha massa muscular e tem estrutura óssea mais forte. E na balança isso pode parecer que você está ficando mais gordo, que é totalmente equivocado. Na cirurgia pode acontecer exatamente o oposto. O paciente emagrece, olha para a balança e fica contente, mas essa perda de peso pode ser associada à perda de massa muscular e até perda óssea, que não são desejáveis. O critério de sucesso leva em conta o excesso de peso perdido. E quanto mais, melhor? Não necessariamente. Pesquisas estão tentando chegar ao o que é ideal.
http://www.odiario.com/cidades/noticia/614394/maioria-segue-obesa-apos-reduzir-estomago/