O município de Sarandi atingiu, ano passado, uma das maiores taxas de homicídios do Brasil, comparável a Maceió (AL), considerada a capital mais violenta do País. Dados de uma pesquisa de mestrado da Universidade Estadual de Maringá (UEM) mostram que o índice da cidade vizinha é quase quatro vezes maior que o de Maringá. "E não é uma especificidade: pobres são violentos; eles são vítimas do Estado. A droga é consequência e não causa do problema", defende a pesquisadora.
O levantamento tomou como base os inquéritos de homicídios abertos pelas polícias Civil e Militar entre 2007 a 2011. O estudo aponta que em Maringá, os crimes têm se mantido em níveis estáveis, enquanto que em Sarandi, a taxa mais que dobrou em 5 anos.Rafael Silva
Periferia de Sarandi. Conclusão de pesquisa é que a taxa de homicídio é mais alta em locais com pouca infraestrutura
Em 2007, primeiro ano do acompanhamento do levantamento, Sarandi registrou taxa de 21 mortes por 100 mil habitantes. De acordo com o estudo, em 70% do casos foram utilizadas armas de fogo. E, em 2011, a cidade contabilizou 48 casos ligados a armas e totalizou taxa de 58 mortes por 100 mil habitantes.
Para a autora da pesquisa, Fernanda Valotta, graduada em Ciências Sociais da UEM e integrante do Núcleo Maringá do Observatório das Metrópoles, as causas da violência estão intrinsecamente ligadas à falta de infraestrutura urbana e de atuação do poder público, além da organização de guetos. "Os números mostram claramente que os territórios que apresentam maior precariedade e escassez de políticas urbanas e sociais têm as maiores taxas de homicídio."
Pesquisando cada inquérito aberto pela polícia nos últimos 5 anos, Fernanda constatou que o número de crimes violentos vem crescendo em Sarandi, desde 2009, enquanto o índice se mantém estável em Maringá.
"Observamos que, como Sarandi, Paiçandu tem renda per capita de 6 mil reais e graves problemas de planejamento urbano. Mas Sarandi tem características de território mais bem definidas e que aprofundam os processos de violência."
Para a pesquisadora, apesar do tráfico de drogas ser apontado pelas autoridades como principal motivo para a ocorrência de mortes violência, o levantamento mostra que o problema é anterior.
"Para nós do Observatório das Metrópoles, o tráfico de drogas é só consequência de como estão organizados os territórios. Há territórios específicos para grupos específicos, que ocupam áreas de acordo com a renda e onde o poder público não atua. Onde falta planejamento urbano, asfalto, escolas, creches, áreas de lazer, a violência impera e nossa pesquisa comprova isso."
49
homicídios foram
registrados em
Maringá neste ano
Moradora de Sarandi há 27 anos, Fernanda reconhece que a atual administração tem feito um bom trabalho e se esforçado para recuperar bairros abandonados, mas diz que as ações são insuficientes diante de tantos problemas.
"Ainda é cedo para mensurar o que está sendo feito e seu impacto na violência. Há bairros que existem desde a fundação da cidade e ainda não têm asfalto, nada. O poder público nunca investiu nestes territórios. A população que mora ali: jovens, idosos, crianças e adultos, ficam expostos. São vítimas do abandono e é ali onde a violência acontece com maior frequência", diz.
A pesquisadora também tem uma postura crítica em relação a Maringá, que, desde sua fundação, "atua de forma imperialista em relação aos municípios vizinhos".
"O processo de construção de Maringá sempre foi de afastar para as cidades vizinhas os moradores mais pobres. Desde a planta inicial sempre tivemos um planejamento que criou área para grupos específicos e isso ficou engessado e permanece até hoje.
Quem não tem condições de pagar aluguel ou comprar um terreno aos preços de Maringá, acaba sendo empurrado para essas ‘cidades satélite’. Por isso, hoje temos uma metrópole considerada polo econômico e no entorno, cidades com índices de violência alarmantes, só comparados à das capitais mais violentas", completa.
A pesquisa mostra ainda que a maioria das pessoas vítimas de homicídio em Maringá, Sarandi e Paiçandu tinha até 29 anos. E que 90% são homens que viviam em territórios onde o poder público não atua - sem asfalto, escola, creche. Nas três cidades, a maioria dos crimes acontece por arma de fogo: 77,8% em Paiçandu, 74% em Sarandi e 83,7% em Maringá.
"O discurso é de que a culpa dessa criminalidade é o trafico de entorpecentes, mas o que questionamos é o que vem antes. O que vem antes? Esta é a pergunta que queremos responder. E já identificamos, mesmo sem a pesquisa estar concluída, que onde o Estado não cumpre sua função, não se faz presente, o crime ocupa o espaço."
Para a pesquisadora, é preciso pensar políticas regionais que criem
infraestrutura em todas as cidades ao mesmo tempo. "Não adianta pensar
só a cidade de Maringá. É preciso pensar a região, principalmente essas
duas cidades que estão emendadas e onde há um contingente muito grande
de pessoas que trabalhar e estudam em Maringá", completa.
PESQUISA