Se escada ouvisse, a que leva à entrada do bloco
H-12, na Universidade Estadual de Maringá (UEM), teria uns bons 50
minutos de conversa para deleitar-se. O cenário foi escolhido pela
própria entrevistada, a atriz Laura Chaves, há 13 anos longe dos
holofotes dos palcos – a dedicação da última década foi voltada para o
trabalho por trás das cenas, na direção de trabalhos teatrais.
Às
15h20 da sexta-feira, a pergunta que ainda martelava era: quem é Laura
Chaves? O desafio foi descobrir pelo menos um pouco da mineira de 52
anos, formada em artes cênicas na Universidade do Rio de Janeiro e
maringaense por enquanto. Ela reestreia hoje à noite, atuando na peça
"Correntes", às 20h, no Teatro Barracão.
Divulgação
Carla Almeida, Elizabety Barbosa e Laura Chaves em "Correntes", cujo tema é o Mal de Alzheimer; apresentação acontecerá no palco do Teatro Barracão, a partir das 20h
A saudade dos palcos bateu à porta de Laura no final de 2009, quando
ela, em contato com uma amiga conhecida de antigos trabalhos cênicos,
foi dando forma à vontade que continuou crescendo. Mayra Mugnani, após
ler o texto "O Marinheiro", de Fernando Pessoa, dedicou-se a rascunhar
uma obra própria. As duas derramaram-se na construção de algo novo, que
refletisse toda a intensidade que o palco requer.
Foi entre
idas e vindas, de atenção ao projeto e às particularidades da vida
pessoal que a peça nasceu. Laura, que também produziu todo o trabalho,
relembra a sua peça de estreia na cidade, "Em Família". "Fizemos no
máximo dez apresentações, e quem assistiu, na época, lembra até hoje.
Ficou marcado. Tem gente que vem comentar", diz.
Algumas
características são fáceis de identificar na atriz. Apesar da aparente
fragilidade, "resistente" foi a que, de pronto, concordamos em
classificá-la. Mas Laura Chaves não é mulher de estereótipos. Seria
ousado tentar resumir a inquietação da mineira, carioca, pé vermelho em
algumas poucas palavras. E foi isso que fez com que, durante um bom
tempo, ela permanecesse ausente dos palcos.
"Eu não entro em um
processo porque é muito perigoso. Você tem de ter uma pessoa em que
realmente confie. Para se abrir e não criar resistência", avisa. A
resistência dela também fica por conta da formatação que não envolva o
compromisso direto com um único grupo. "Eu gosto de trabalhar dessa
forma".
E a forma parece ter dado certo. A empolgação irradiando
dos olhos castanhos de Flávio Amado, diretor da peça, pode indicar que
sim. Único homem entre as mulheres que atuam no projeto, ele não
encontrou dificuldades em trabalhar com a equipe. Juntando-se à Laura
nos degraus da escada, juntos, eles buscam tornar o trabalho memorável
não só para os envolvidos no desenvolvimento do trabalho, mas
principalmente para quem for assistir.
Abordando o Mal de
Alzheimer como tema central, a ideia de memória é bem predominante no
roteiro – e na peça. O envolvimento deles com as pesquisas transborda
em ansiedade. Agora não mais focada na volta aos palcos de Laura
Chaves, mas de estrear uma peça que faça refletir. E não só. Que faça
borbulhar emoções.
Porque é assim que ela se sente ao falar da
peça, quase um filho que ajudou a criar desde novembro do ano passado,
quando, de fato, começaram a se debruçar com mais fervor no espetáculo e
nos ensaios. "São pouquíssimas pessoas que vivem do teatro hoje em
Maringá. Você acaba trabalhando com pessoas que têm outra rotina. É
preciso adequar as agendas", diz. E não sente vergonha de falar, mesmo
com a voz embargada, sobre o processo de envelhecimento.
FICHA TÉCNICA
Texto: Mayra Mugnaini
Direção : Flávio Amado
Elenco : Carla Almeida, Elizabety
Barbosa e Laura Chaves
Cenário : Dagmar Pugin
Figurino : André Chaves Peluso
Iluminação : Zeton
"É triste ver as pessoas envelhecerem e elas estarem abandonadas. É
preciso lidar com mais proximidade com essas questões de envelhecer". O
fato de aceitar o "envelhecer" é apresentado até mesmo nos cabelos
brancos que Laura assumiu. Processo natural que muitas mulheres se
recusam a admitir.
Alimentando o processo criativo enraizado na
realidade, a temática alarmante foi embasada por uma vivência do elenco
com pessoas que têm Alzheimer e, também, com uma extensa pesquisa à
qual eles pretendem dar continuidade. "Quando pensamos em teatro,
pensamos em ficção. Eu pego um texto, enlouqueço e crio um mundo. O
mais bacana é quando você pega aquele mundo e faz uma ponte para o
mundo real", conta Flávio Amado. "Tua proximidade com a ficção se torna
mais urgente.
A representação se torna desnecessária. E foi o
que eu quis tirar". No papel de diretor, Amado foi o que mais conviveu
com o tema, até mesmo para preparar melhor o trabalho e direcionar os
atores. O drama abordado é de um personagem, e não de quem convive com
ele. Visceral. De dentro para fora.
PARA CONFERIR
“Correntes”
Hoje à noite Hora: 20h
Local: Teatro Barracão
Ingressos: R$ 15 inteira
e R$ 7 meia entrada
Teatro, eles enfatizam, não é meramente decorar um texto e
representar. "Isso é exatamente o que não deve ser feito", diz o
diretor. Produzida por Laura Chaves com o auxílio de dois
patrocinadores, o retorno aos palcos também abre lado a novos talentos,
com a iniciação de pessoas que nunca efetivamente fizeram teatro e,
também apostando em novos rostos à frente da montagem do cenário e do
figurino.
A primeira apresentação marca o início de uma curta
temporada, que se estende até junho. Os planos futuros, a dupla
garante, serão consequência desse primeiro passo. Que "Correntes"
prenda a memória do público junto à reflexão suscitada. E que se torne
memorável.
http://www.odiario.com/dmais/noticia/566966/para-nao-esquecer/