Especialidades que à primeira vista oferecem menos oportunidade de ganhos financeiros são deixadas de lado pelos recém-formados; resultado é a sobra de vagas na rede pública
Apesar de existirem 176 escolas de Medicina no Brasil, que ofertam, ao todo, mais de 17 mil vagas para o primeiro ano dos cursos, muitos municípios enfrentam dificuldades para contratar alguns especialistas. Em Maringá, segundo o secretário da Saúde, Antônio Carlos Figueiredo Nardi, nenhuma das 13 equipes do Programa Saúde da Família (PSF) tem clínico-médico.
Diante da falta de clínicos-médicos, a solução na cidade foi escalar para o PSF profissionais que atuam nas unidades de saúde, congestionando os atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS). O município realizou sete concursos na gestão passada, está se preparando para abrir mais um no mês que vem, tem dinheiro para completar todas as equipes, mas faltam profissionais, diz Nardi.
Vários motivos sustentam essa dificuldade, que atinge de forma mais aguda as áreas de clínica-médica e pediatria. Para Nardi, a principal é a rejeição a algumas especialidades por parte dos estudantes em função do retorno financeiro menor, se comparado a outras no PSF em Maringá, um clínico-médico ganha R$ 5.200 por mês, para 40 horas semanais. Recentemente, constatamos que os cursos de pediatria sempre têm vagas sobrando, diz.
Os clínicos-médicos e os pediatras podem resolver a maior parte dos problemas dos pacientes. O superintendente do Hospital Universitário de Maringá, José Carlos Amador, afirma que, mesmo assim, a própria população deixou de se consultar primeiramente com eles, para ir direto ao cardiologista, neurologista, urologista, entre outros especialistas.
Essa realidade (dos pacientes pularem a visita com o clínico), aliada à desvalorização profissional, alimentada por outros médicos, e ao menor redimento, que se baseia quase que exclusivamente às consultas, faz com que haja menos pediatras no mercado e que a especialidade de clínica-médica esteja quase extinta, avalia Amador. Segundo ele, o problema atinge também a rede privada de saúde.
O coordenador do curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá, Roberto Zonato Esteves, diz que o hábito de o pacientes pular estapas é uma característica especificamente brasileira. Em outros países, como a Inglaterra, o paciente não pode agendar consulta com um urologista, por exemplo, sem, antes, passar por um clínico-médico, que o encaminhe, explica.
Zonato diz que os pacientes e os próprios profissionais tendem a dar mais valor a um especialista de outra área, baseado na concepção errônea de que um médico de unidade de saúde fracassou na profissão, não conseguiu passar na residência ou, então, está preste a se aposentar e, por isso, optou por um trabalho mais tranqüilo.
A situação se agravou na última década porque,
segundo o secretário da Saúde, o número de programas de saúde pública aumentou.
No caso do PSF, Nardi relata que o Ministério da Saúde contribui mensalmente com
pouco mais de R$ 5 mil para cada uma das 13 equipes, que deve ser composta por
um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e, pelo menos, três agentes
de saúde.
Mudanças
Segundo Nardi, uma comissão foi criada, envolvendo os Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde, para discutir a interação entre ensino e serviço no SUS, na tentativa de suprir o déficit de profissionais. Ainda não há resultados efetivos, mas o objetivo é conquistar estudantes para que a situação não se agrave ainda mais. Outros pontos têm sido discutidos, mas ainda de maneira incipiente, como a obrigatoriedade de se prestar serviço ao SUS, devidamente remunerado, por um tempo a ser definido, após a formação. Há municípios onde o PSF oferece mais de R$ 8.000 como salário e não há candidatos suficientes.
Nas instituições de ensino superior há tentativas de orientar os estudantes sobre a importância social de investir nessas áreas. Segundo Amador e Esteves, professores tentam desmistificar a concepção que o clínico-médico e a pediatria são especialidades secundárias. São profissionais que atuam também na promoção e na prevenção da saúde, salienta Esteves, acrescentando que a quantidade de novos médicos por anos, entre 10 mil e 11 mil, é suficiente, mas estão distribuídos de maneira desigual tanto geograficamente como em relação às especialidades. A maioria prefere os grandes centros.
O governo do Estado não envia dinheiro para o PSF, porque Maringá tem mais de 100 mil habitantes. Os municípios que têm população menor, recebem verba de R$ 1 mil por equipe, mas limitada à quantidade máxima de dez, revela. Se conseguíssemos completar os quadros, o atendimento na rede pública com certeza melhoraria.
Thiago Ramari