Que
atitude deve adotar uma professora perante o aluno diante do crime
transformado em espetáculo? Como a professora pode contribuir para
promover o pensamento crítico, problematizador, diante dos fatos reais
e ficcionados? Que fazer para não se deixar levar pelo histerismo
coletivo, como no caso do homicídio da menina Isabella?
Concebo a professora como a intelectual da sua escola e da comunidade.
Ela deve evitar o irracionalismo e a barbárie, começando por sua
própria escola, educando as novas gerações para superar os vícios
próprios da compulsão às opiniões em vez do conhecimento elaborado.
O filme "Acusação", que iremos analisar amanhã, com professores de
Ivatuba, surpreende pela possibilidade de virar realidade repetidas
vezes. Na década de 80, nos EUA, membros de uma família, proprietária
de uma escola infantil, são acusados de abuso contra crianças.
A imprensa mostra-se interessada, insufla a população, fazendo da
notícia um espetáculo diário sobre o caso e antecipando a condenação
dos donos e professores da escola. A população é tomada de fúria
histérica e culpa os suspeitos do crime de pedofilia.
Apoiada nas supostas provas levantadas por uma falsa psicóloga contra
os que trabalhavam na escola, a promotora manda alguns para a cadeia.
Inconformado, um advogado vê que se trata de um caso de histeria
coletiva e, uma década depois, consegue inocentar os acusados, mas
vidas já tinham sido arruinadas.
Essa história virou realidade em 1994, na Escola Base, localizada no
bairro da Aclimação, em São Paulo. Tudo começou quando duas mães de
alunos dessa escola queixaram-se, na delegacia do bairro do Cambuci,
que seus filhos, de 4 e 5 anos, estavam sendo molestados sexualmente na
escola, eram obrigados a participar de orgias num motel, onde eram
fotografados e filmados.
O delegado não só acolheu a denúncia, como alardeou junto à imprensa,
antecipando uma condenação dos donos da Escola Base, que só no final do
inquérito, dez anos depois - nova coincidência com o caso do filme -
foram declarados inocentes.
Tanto na ficção, relatada no filme, como na realidade da Escola Base,
os donos das escolas sofreram linchamento moral: tiveram que fechar as
escolas; funcionários perderam os empregos; sofreram grave estresse,
cujo efeito foi o surgimento de doenças: depressão, fobias, patologias
do coração. Eles também receberam ameaças por telefonemas anônimos,
viviam sob tensão emocional e isolaram-se da comunidade.
A imprensa sensacionalista usava termos pesados, como "monstros da
escola", "escola de horrores", "Kombi era motel na escolinha do sexo",
etc. Um comentarista do extinto programa televisivo "Aqui Agora", do
SBT, chegou a pedir pena de morte aos acusados. Inocentados, a imprensa
não veio a público fazer autocrítica e pedir desculpas pelo seu erro às
vítimas.
Cabe à professora, como intelectual de sua escola e da sua cidade,
estar preparada para "filtrar" notícias espetacularizadas e fofocas
produzidas pelas bocas malditas. Ela deve ensinar alunos e comunidade a
problematizar notícias, fofocas, boatos e pré-condenações.
Além de incentivar os alunos à leitura de jornais e revistas, cabe à
professora prepará-los para compreender as notícias. Os analfabetos
funcionais (pessoa que sabe ler, mas não compreende) são um perigo
tanto para sobrevivência de jornais e revistas como para uma sociedade
esclarecida.
A iniciativa de O Diário, de fazer parceria com as escolas, é uma
prevenção. Mas o que fazer para levar os leitores a melhorar a
compreensão do texto? Que podem fazer a escola e a imprensa para formar
leitores mais racionais e razoáveis?
São danosos para os cidadãos e a sociedade o "não pensar", como o "ato
impulsivo", e a mera opinião sem fundamentação. Ainda que um caso como
o do assassinato da menina Isabella nos comova e nos cause raiva,
precisamos manter o bom senso e a serenidade para ler, compreender e
escutar com um terceiro ouvido onde a vida deve ser reconhecida e a
morte vencida com argumentos.
► Raymundo de Lima é Psicólogo, doutor em Educação pela Universidade de
São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM)