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Adoçante natural de baixa caloria é tema de pesquisas desde o fim dos anos 70 e rendeu 1ª patente da universidade

Presente no dia a dia de tantas pessoas ao redor do mundo, o adoçante natural de baixa caloria estévia deve atingir, conforme estima o Conselho Internacional de Estévia, o valor de mercado de US$ 4 bilhões em 2021, o que é uma informação a mais para ser propagada nas ações de conscientização do Dia Mundial do Diabetes, amanhã (14). A Universidade Estadual de Maringá (UEM) é uma das responsáveis por construir esta história, já que desde o fim da década de 1970 faz pesquisas na área e em 1989 conquistou sua primeira patente, referente ao processo de fracionamento dos componentes das folhas da Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni.

A estévia ajuda no combate ao diabetes e à obesidade. Com apenas 2,5 gramas dela é possível adoçar algo no mesmo patamar de 1 kg de açúcar, mas de forma mais saudável. Hoje, os extratos da planta chegam à terceira geração, o que significa que, “obtidos por metodologias de extração e purificação seletiva, preservam, além dos adoçantes, as fibras e compostos bioativos que podem apresentar propriedades que ajudam no tratamento ou na prevenção do diabetes”, justifica Sílvio Cláudio da Costa, coordenador do Núcleo de Estudos em Produtos Naturais (Nepron) da UEM e professor do Departamento de Bioquímica (DBQ-UEM).

“O singular nas folhas da estévia é que contêm substâncias com poder adoçante muito superior ao do açúcar comum. Nossos estudos sobre o esteviosídeo revelaram que se trata de substância muito pouco ativa fisiologicamente, com dificuldades em penetrar na célula, embora possua capacidade de inibir o transporte de glicose através da membrana das células. Um efeito que, ao meu ver, seria mais benéfico do que prejudicial”, descreve Adelar Bracht, professor aposentado do DBQ e fundador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (PBC-UEM).

O esteviosídeo, de característica mais amarga, não é a única substância com propriedades adoçantes presente na estévia. Além dele, destacam-se o rebaudiosídeo A e o rebaudiosídeo B, mais doces. “A ideia predominante na literatura científica é que o consumo regular de componentes da estévia pode, sim, ter um efeito antidiabético moderado devido a uma combinação de efeitos. Estes efeitos vão desde reais interferências, com o transporte de glicose por vários mecanismos, até consequências benéficas decorrentes do fato de que o uso de produtos da estévia, no lugar de quantidades excessivas de açúcar, resulta, seguramente, numa dieta mais saudável”, aponta Bracht.

 

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Estévia ajuda no combate ao diabetes e à obesidade; 2,5 g da espécie adoça no mesmo patamar que 1 kg de açúcar

 

Para Roberto Barbosa Bazotte, professor aposentado do Departamento de Farmacologia e Terapêutica (DFT-UEM) e voluntário no PBC e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PCF-UEM), as pesquisas sobre estévia colocaram a UEM definitivamente no mapa da ciência brasileira. “Uma segunda importante contribuição foi a geração de uma grande empresa privada no setor de adoçantes à base de estévia: a Stevia Soul (antigamente, Ingá Companhia de Desenvolvimento Industrial), em Maringá (PR). Uma terceira importante contribuição está relacionada aos recursos captados através do Projeto Stevia, que alavancaram as pesquisas na UEM”.

Wanderley Dantas dos Santos, coordenador-adjunto do PBC, conta que as pesquisas sobre estévia estimularam a criação deste programa, que é o primeiro de pós-graduação da UEM, fundado em 1987 (inicialmente com mestrado; o doutorado começou em 1999). Este programa já formou 393 mestres, 217 doutores e conta atualmente com 31 mestrandos e 62 doutorandos. É um dos programas oriundos do DBQ-UEM, este criado em 19 de dezembro de 1988 e que teve a estévia como tema de seu primeiro projeto aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – anteriormente a 1988, os docentes do DBQ estavam lotados no antigo Departamento de Farmácia-Bioquímica da UEM.

“O nascimento do PBC foi marcado pelos estudos com Stevia. Houve grande financiamento institucional pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa Técnico-Científica do Banco do Brasil. Os professores Mauro Alvarez [falecido em 2007] e Bracht se beneficiaram com os primeiros financiamentos, conseguindo montar laboratórios de pesquisa”, descreve Paulo Cezar de Freitas Mathias, professor do PBC e do Departamento de Biotecnologia, Genética e Biologia Celular (DBC-UEM). Tantos outros programas foram criados depois, como o Programa de Pós-Graduação em Bioquímica (PBQ).

Segundo Bracht, “a fundação do PBC foi uma conquista inédita para a UEM: provou que o stricto sensu era possível na nossa universidade”. O contexto, no entanto, “foi um pouco caótico”, já que à época a UEM “não tinha tradição na área e o corpo docente não se imaginava capaz de enveredar por este suposto complexo caminho”, fora que o sistema nacional de pós-graduação tinha insegurança em abrigar programas no interior. “Inicialmente, foi difícil credenciar o PBC. Mas, a visita de um consultor tornou as coisas muito mais fáceis, pois esta pessoa acabou reconhecendo que a realidade era melhor do que se poderia supor ao mirar as coisas pelos vieses das capitais e do interior de São Paulo”, declara o fundador do PBC-UEM.

 

Núcleo de Estudos é capaz de processar 120 kg de folhas por dia

O Nepron, o Núcleo de Estudos em Produtos Naturais da UEM, foi inaugurado em 1985 e até hoje realiza pesquisas com Stevia, obtendo novas variedades, desenvolvendo métodos de extração e fazendo formulações de produtos. Foi criado pelo professor Alvarez. “Seu sonho era gerar tecnologia que permitisse lançar produtos altamente elaborados e de grande valor agregado. Ele tinha uma mente de natureza eminentemente prática”, aponta Bracht, que se esforçou para obter recursos que permitissem montar eficientes laboratórios de pesquisa.

Costa, o coordenador do núcleo e que foi orientado por Alvarez no seu mestrado, destaca o pioneirismo do professor na coordenação de pesquisas multidisciplinares referentes ao tema, “tendo como propósito a transferência de tecnologia e a sua efetiva apropriação pela sociedade”. Atualmente, o núcleo dispõe de uma moderna unidade-piloto, baseada em processos de separação por membranas, capaz de processar até 120 kg de folhas por dia. “Entretanto, o seu principal objetivo é testar e escalonar novas metodologias de extração e purificação de adoçantes de Stevia, bem como isolar frações, princípios com propriedades funcionais e elaborar novos produtos”. 

 

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Núcleo de Estudos em Produtos Naturais (Nepron) cultiva estévia, faz pesquisas e desenvolve produtos desde 1985

 

No Nepron atuam professores pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação e há uma série de projetos financiados por órgãos de fomento. De acordo com Costa, também há atividades de extensão “por meio de prestação de serviços tecnológicos a empresas nacionais e internacionais, atendendo demandas de otimização de processos, desenvolvimento de novas variedades e análise de produtos de estévia”.

Grandes marcos – Em 1998, o Nepron selecionou o seu primeiro clone com alto teor de rebaudiosídeo A, denominado de Stevia UEM-320. No ano seguinte, estabeleceu parceria com uma empresa para implantar os primeiros cultivos da Stevia UEM-320 no Brasil.

Em 2010, desenvolveu a M1-Alvarez; em 2016, a Stevia UEM-13. A M1-Alvarez é uma variedade com alto teor de rebaudiosídeo A. “É mais resistente e apresenta maior vigor, reduzindo significativamente as perdas após as podas. Os extratos obtidos a partir da M1-Alvarez apresentam qualidade do gosto doce mais aproximado ao açúcar”, afirma o coordenador do Nepron.

Em 2018, o Nepron desenvolveu um método simples e de baixo custo para obtenção de extratos de estévia minimamente processados, com excelente qualidade do sabor doce, o que tem permitido criar alimentos funcionais inovadores, como uma barra de cereal desenvolvida em 2020.

 

História da estévia na UEM começou há 41 anos

A Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni, uma das espécies do gênero Stevia, é uma planta arbustiva com cerca de 70 centímetros de altura e nativa da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, usada há séculos por indígenas. Em 1979, pesquisadores da UEM liderados pelo professor Alvarez começaram a estudar a segurança alimentar de produtos à base de estévia – esforços que garantiram a ele, em 1984, o prêmio Governador do Estado de São Paulo. A equipe desenvolveu tecnologias que vieram a permitir, a partir de agosto de 1988, a primeira exploração comercial no mundo ocidental do esteviosídeo – que corresponde por 5% do peso seco das folhas. 

 

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Stevia rebaudiana, planta nativa da fronteira entre Brasil e Paraguai, pode atingir 70 cm de altura

 

Mauro Alvarez é inventor da primeira patente da UEM (em domínio público desde 1995), junto ao empresário Amaury Cézar Cruz Couto. Durante suas largas atividades de pesquisa, Alvarez chegou a encaminhar documentos ao Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano semelhante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com dados sobre a segurança da estévia. “Alvarez foi visionário, com ideias que só seriam valorizadas algumas décadas mais tarde”, elogia Bazotte, que viu seus resultados de pesquisas contribuírem para o esteviosídeo ser aprovado como edulcorante natural (adoçante) de baixa caloria em alimentos e bebidas junto ao Ministério da Saúde, em 1986.

 

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Professor Mauro Alvarez (falecido em 2007) é inventor da primeira patente da UEM, da Stevia, em domínio público desde 1995

 

Ainda em 1986, a equipe envolvida da época publicou um artigo sobre o efeito antidiabético do chá de estévia. “Em humanos, nitidamente aumentou a tolerância à glicose. Isto é, impediu um aumento mais pronunciado da concentração de glicose no sangue logo após a sua ingestão, sob condições padronizadas. Não sabemos se este feito foi exercido pelos adoçantes presentes na folha; pode ter sido causado por outros componentes, polifenóis por exemplo. Provavelmente, foi causado por combinação de substâncias”, relembra Bracht, um dos coautores desse artigo, que tem como primeiro autor Rui Curi, egresso da UEM e hoje professor aposentado pela Universidade de São Paulo (USP).

Voltando ao ano de 1980, quando Bazotte e Curi eram graduandos em Farmácia-Bioquímica na UEM, foram orientados por Alvarez e apresentaram, no Congresso Brasileiro de Análises Clínicas, um estudo em animais de laboratório sobre a estévia. Em outra iniciação científica, os dois foram orientados por Paulo Mathias. Mais tarde, em 16 de maio de 1985, o projeto de pesquisa “Influência de Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni e subfrações sobre o valor biológico de dietas experimentais”, proposto pelo já falecido professor Jorge Luiz de Godoy, era aprovado pela Reitoria.

 

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Em 1978, na UEM: professor Mauro Alvarez (à esquerda) com os então alunos Rui Curi (centro) e Roberto Bazotte (à direita)

 

Anos mais tarde, em 2005, Bazotte verificava se o esteviosídeo seria capaz de reduzir a pressão arterial em hipertensos, mas a resposta foi negativa. Em 2008, o rebaudiosídeo A foi aprovado pelo FDA (EUA), com importantes contribuições das pesquisas realizadas no Nepron-UEM. Agora, em 2020, vários pesquisadores da UEM e de todo o mundo continuam debruçando-se em estudos sobre a estévia. “O investimento em pesquisas, aqui no interior do país, ajudou e continua ajudando a criar uma indústria gigante, que gera muito mais riquezas do que os custos das universidades”, finaliza Santos, o coordenador-adjunto do PBC.