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É necessário organizar as atividades rotineiras para manter a saúde física e mental

Em tempos de isolamento social, causado pela pandemia da Covid-19, o funcionamento do relógio biológico, e consequentemente, a qualidade do sono de muita gente foi alterada. Por causa da suspensão das aulas e, até do trabalho de forma remota, muitas pessoas não precisam mais seguir os ritmos impostos pelos compromissos sociais, por isso, têm acordado, se alimentado e dormido no momento que sentem vontade, enfim, mudaram os seus hábitos diários. Porém, em um momento será preciso retomar a rotina e isso preocupa alguns pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), porque eles são taxativos: não é nada fácil.

Para dar uma ajuda aos alunos da UEM, que, recentemente, retomaram a rotina de aulas pelo Ensino Remoto Emergencial (ERE), foi gravado um material sobre esse tema. É uma live intitulada “O retorno das aulas e a necessidade de ressincronização dos ritmos biológicos”. Na verdade, o bate-papo on-line ocorreu no dia 12 de agosto, no canal do YouTube Amigos do Mudi, e fez parte da programação de volta das atividades acadêmicas. O mediador do encontro foi o jornalista Marcelo Galdiolli, que conversou com os professores do Departamento de Ciências Morfológicas da UEM (DCM), Débora Sant’Ana, que é pró-reitora de Extensão e Cultura, e Marcílio Hubner de Miranda Neto, coordenador do Museu Dinâmico Interdisciplinar (Mudi/UEM).

O professor Marcílio disse que as medidas de isolamento trouxeram alterações no relógio biológico das pessoas. Segundo ele, todos os seres vivos têm relógios biológicos, desde uma simples bactéria até os mais complexos. No caso dos humanos, existe a presença de várias estruturas geradoras de tempo, que são conhecidas, genericamente, como relógios biológicos ou osciladores endógenos.

“Uma série de funções do nosso corpo oscila de acordo com o tempo. As funções rítmicas do corpo e do cérebro são consequência do ‘tempo endógeno’. Essas estruturas precisam atuar de forma que haja harmonia entre o tempo do corpo e o tempo exógeno, ou seja, o tempo gerado pelo ambiente, em especial pelos movimentos da Terra. Para haver esta harmonia entram em cena os agentes sincronizadores, que sinalizam para os relógios biológicos o que está acontecendo fora do corpo, se está claro ou escuro, frio ou quente, por exemplo”, explica o professor Marcílio Hubner, que alerta para o fato de que é necessário ter horários para se alimentar (foto abaixo).

Sinais do corpo – Entre os elementos sincronizadores principais dos ritmos biológicos estão: luz ambiente, temperatura, oferta de alimentos e os compromissos sociais. Na sociedade atual, o horário de estudar e trabalhar, ou seja, os compromissos sociais, normalmente são usados como parâmetro para determinar o horário de acordar, comer e dormir. Estabelecendo uma rotina, nós acabamos acertando os ponteiros do nosso relógio biológico interior com o que está acontecendo do lado de fora, fazendo com que todos os ritmos do nosso corpo, marcado por diferentes relógios, se sincronizem e funcionem de uma forma harmônica, que é o ideal para nossa saúde. Em outras palavras, a rotina nos ajuda a cumprir algumas etapas do no dia a dia e respeitar algumas necessidades, como comer e dormir nos horários certos.

marcilio cafe

Porém, a pandemia alterou a normalidade da rotina, com as mudanças na organização doméstica, na necessidade de sair de casa e, até, no horário do transporte público. Toda essa situação faz com que as pessoas, sem rotina definida, não cumpram mais as necessidades básicas, como comer no tempo correto, respeitar os intervalos entre as refeições, dormir no horário adequado, entre outros.

O professor Marcílio Hubner reforça que uma das coisas mais importante para que a vida dos seres humanos seja harmoniosa com o meio ambiente é um sincronismo entre as funções do corpo, em relação ao que está acontecendo no mundo lá fora. Por exemplo, “dormir para a maioria dos humanos é uma atividade noturna. Nós temos osciladores endógenos, que são marcadores do momento que devemos dormir. Temos, também, todo um conjunto de hormônios, chamados de hormônios da noite como a melatonina e o hormônio do crescimento, que vão acompanhar nosso sono para que ele cumpra suas funções. Por isso, o sono precisa acontecer quando esse hormônio estiver na nossa corrente sanguínea. Ele precisa se dar, preferencialmente, em um ambiente escuro e quando nossa temperatura está baixa. Mas, quando há o afastamento da rotina, mudamos hábitos e as funções deixam de acontecer em harmonia.”

Perfil genético – Em resumo, essa quebra de rotina não é boa para o nosso organismo e pode trazer prejuízos para a saúde física e mental. A questão é que algumas pessoas têm mais problemas para readaptar o organismo do que outras. De acordo com Marcílio Hubner, muitos dos estudantes e professores que são pessoas moderadamente matutinas, ou seja, não têm problemas para iniciar suas atividades na parte da manhã, não vão sofrer muito para se readaptarem às funções diárias, mesmo que tenham trocado o dia pela noite durante o período de pandemia. Passados os primeiros dias, logo estarão aptos para enfrentar a nova rotina. Porém, também existe o grupo de pessoas vespertinas e moderadamente vespertinas, uma minoria (cerca de 10% da população adulta e mais de 50% entre adolescentes), que irá sofrer mais com a retomada da rotina, pois está geneticamente ou hormonalmente preparada para despertar mais tarde. 

Segundo a professora Débora, ser uma pessoa matutina ou vespertina é algo referente à estrutura biológica. “Com o passar dos anos compreendemos que essa característica está ligada aos genes, ou seja, algo que a pessoa nasce sendo e será assim a vida toda. O ritmo endógeno é definido biologicamente pelos genes. Mesmo assim, durante a adolescência, faixa etária de muitos dos alunos da universidade, existe a facilidade dos adolescentes irem dormir mais tarde e assim acordarem tarde também, mesmo sendo pessoas matutinas, são o que chamamos de vespertinos hormonais”. 

A pró-reitora lembra que a privação de sono significa privação de memória e, consequentemente, a redução da capacidade de aprendizado. O período em que estamos acordados é chamado, tecnicamente, de vigília. Nele são formadas as memórias de curto prazo. É a memória numerosa de tudo que você falou, ouviu, assistiu e, até, as informações que estão mais periféricas em relação ao nosso ponto de atenção. Tudo isso vai se armazenando em uma parte do cérebro chamada de hipocampo, que retém informação por períodos menores, de um dia a poucos dias, as memórias de curto prazo. No hipocampo as memórias são selecionadas, boa parte descartadas, e o restante armazenado. Esse último grupo fica conhecido como o das memórias de longo prazo, aquelas que ficam guardadas ao longo de todo o córtex cerebral. O que pouca gente sabe é que a memória de curto prazo é transportada do hipocampo ao córtex, principalmente durante o sono.

Por isso, devemos saber que “a luz atrapalha o sono de qualidade, esse deve ser dormindo em ambiente totalmente escuro e as pessoas deveriam ficar de 30 minutos a duas horas sem contato com telas que emitem luz, antes de irem dormir, pois a luz inibe a produção do hormônio do sono: a melatonina. Isso se deve ao fato de existirem áreas no cérebro que respondem ao claro ou escuro para ativar ou inibir alguns hormônios. Além da presença de luz, um dos outros fatores que influenciam na qualidade do sono é a temperatura, precisamos de um ambiente fresco para dormir, porque o calor ou frio excessivo podem alterar o comportamento da temperatura do corpo e, consequentemente, alterar a qualidade do nosso sono”, detalha a professora Débora (foto abaixo).

DEBORA MUDI ABOBORA

O retorno das aulas – O ideal para o bem-estar do corpo e do cérebro seria manter a rotina mesmo com as alterações causadas pela pandemia. Difícil? Então, podemos investir em uma reaproximação com a normalidade. Para isso, é preciso reconhecer as mudanças que ocorreram e estabelecer uma rotina de acordo com a fase enfrentada por cada um.

Para garantirmos um sono adequado, mesmo com a volta às aulas e às atividades acadêmicas ou de trabalho, devemos adaptar o organismo para (re)sincronizar os ritmos do relógio endógeno. Essa adaptação ocorre através de uma rotina que, com sua repetição, torna o corpo e o cérebro acostumados com os horários estabelecidos. “Se você é estudante da UEM e terá aula e todos os compromissos da Universidade, mesmo que de forma remota, comece a colocar seu corpo no ritmo com a ajuda de despertadores, dormindo, acordando e comendo nos horários da sua nova rotina, mesmo que aparentemente cansado no começo, para começar a sincronizar seus ritmos”, ressalta a professora Débora. 

O professor Marcílio também deu algumas dicas de como arrumar o relógio biológico: “não importa se você é um matutino ou vespertino, o horário dos compromissos sociais é, praticamente, o mesmo para todos, por isso é necessário fazer o arrastamento dos ritmos. Esse arrastamento demora de uma semana a dez dias. Por isso, programe-se, organize-se e garanta o bem-estar do seu corpo, da sua mente e um aprendizado de qualidade”.

Serviço

A live completa sobre esse tema pode ser acessada pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=xe7Pw-g8GYw.

Texto produzido em colaboração com a bolsista do curso de Comunicação e Multimeios da UEM, Milena Massako Ito. 

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